No pequeno quarto em que ele trabalhava, contemplava num momento uma tela nos seus entremeios. Havia um homem centralizado, chapéu na mão e terno alinhado, arte-finalizado e belo, mas com fundo carente de pinceladas, ainda pálido e incompleto, uma infinitute vazia que desagradava a vista de jeito complicado de se explicar. A vista que decaía com a idade fragilizava após o crepúsculo, assim, recolheu os pincéis e as tintas, enrolou-os em pano branco e encerrou o trabalho, guardando à visão da luz de velas apenas as silhuetas assustadoras dos empregados pelo castelo.
...
Precisando de ajuda, pediu ao rei conselho. O que faço, majestade?
Corte-lhe a cabeça!
Era um péssimo conselho.
Pior ainda quando Sir Alguma Coisa, responsável pela segurança do meio, entrou de súbito nos aposentos reais e tomou por ordem as palavras descontextualizadas. A espada escapou do bainha, tomou o ar num silvo certeiro e desfez a ligação carnal entre corpo e alma, cabeça e tronco do pintor. Ao rei não se guardou sequer angústia; mimado, achou graça no espetáculo tão inesperado. O pintor, porém, teve a infelicidade de não presenciar as tonalidades que fluíram de seu corpo. Sua amante, ao ver a cena, teve certeza de que ele adoraria o calor daquelas cores.