domingo, julho 27, 2008

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- Eu vi os olhos deles abertos. Eu vi o trilho. Nos olhos, o brilho. O trem cuspindo fumaça, o horizonte sendo devorado enquanto ele mastigava carvão, gemendo faíscas e... se aproximando, se aproximando, eu vi os olhos deles abertos. Ah, como os medos deles eram concretos. Eles ligaram, eles sintonizaram, eles pularam fora; qual foi o erro, então? Qual... qual foi o erro?

Ah, se eles tivessem mais fé. Eu vi a mente deles lá, aberta. E eu lembro do cheiro, hum, tão cheio de coisas. O cheiro da morte, talvez. Foi esse o erro?

Foi esse o erro? O erro foi ver. Foi virar as costas e ver o trem se aproximando, abrir os braços para recebê-lo no peito com um sorriso. Não foi desistir. Não foi aceitar o destino, nem aceitar a morte, foi aceitar que toda a beleza os cobrisse--

Foi como olhar para as coisas sem saber o nome delas primeiro. Você aumenta o seu vocabulário para sentir mais coisas - lembra de quando amar não estava entre suas palavras mais ditas? -, você diminui o seu vocabulário para sentir mais coisas - lembra quando você dava um beijo para dizer que "sim"? -, você pára e olha e olha e olha e...

Coloca as mãos no bolso. Respira, suspira. Fecha os olhos. Tem toda aquela vida acontecendo ao seu redor, todas as coisas que começam a ganhar um lugar e um sentido, pessoas dando as mãos umas as outras infinitamente e todo o universo se conectando. E aí? Aí você lembra como era ser uma criança brincando sob o sol.

E você não se preocupava em olhar, em procurar, em ser. Você era, as coisas surgiam e eram ensinadas e ganhavam sentido perdendo sentido - aquelas coisas que você sabe o que são, mas não porque são; todas aquelas coisas ruins que você não consegue esquecer - e vem a saudade. A saudade de tudo ao mesmo tempo.

E ela atropela todos eles. Todos os corajosos que, no caminho, perceberam que a questão não é fugir dela, mas fugir de todo o resto. Abandonar todo o resto, todas as linhas tortas, e reescrever elas. Uma a uma. Até encontrar sentido. Até encontrar paz. Até perceber, velho e morto, que isso foi tudo que o seu gênio permitiu.

E nos olhos deles, abertos, eu vi. Vi tudo isso. Para ouvir à noite o uivo na garganta das grandes mentes da nossa geração se perdendo. Transcendendo a própria carne apenas como cinzas.

Perdidos pra sempre em metáforas, com verdades entaladas eternamente na garganta.

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