terça-feira, dezembro 22, 2009

nasce um revolucionário

Ela veio perto e disse uma coisa bonita - é a primeira coisa que se tem que dizer sobre ela, ninguém nunca no mundo mentiu tão bem -, parecia estupidez, mas era o jeito dela de sempre e ele acreditou porque é assim que deve ser: um deles, pelo menos, tem que acreditar nas mentiras do outro e isso durante tempo o bastante para que a verdade não importe mais.

Ela vinha mudando de cor com os pisca-pisca manchando ela de colorido que mudava, ela era um acidente de aquarela na mesa de um artista, uma pintura barata e genérica que ele bebia apaixonadamente sobre o tapete e o frio do piso, até caírem abraçados com as roupas enroladas nos corpos e ela virava para a árvore, só as orelhas dela mudavam de cor agora, e ela fazia uma jura de amor eterno - um dia ele a olhou nos olhos de uma desconhecida, tinha inabalável certeza de que ela mentia o amor da boca e foi então que ele pensou como a eternidade era na verdade curta - que ele não podia ouvir direito. Ele se levantou descalço e o chão era gelado, foi até a cozinha e abriu a geladeira e procurou pela água, que tinha um gosto estranho de geladeira e comida velha fria, tinha cheiro, quase não era mais água era só meio um líquido de resto, e com o nojo que ele se sentia achou que lavar a boca com aquilo era melhor que ter ela azedando o hálito e bebeu quase tudo, foi até o banheiro. Ela ficou impaciente e começou a perguntar onde ele tava, Mijando, ele gostava de falar grosso com ela suada no chão, desrespeitoso, não porque fazia ele se sentir bem, porque ele amava as mentiras todas e a união eterna de até sexta-feira, mas porque isso fazia ela se sentir mal e isso também fazia ele se sentir mal e não tinha duas pessoas no mundo que ele desgostasse, agora, mais do que eles dois.

Ele se vestiu na frente dela sem olhar nos olhos, ele não queria ver os olhos, nem que ela desse um sorriso do qual ele duvidasse, nem dizer que amava. Ela perguntou, O que é que você tem? e ele disse Uma facilidade incrível de ser um idiota.

[...]

sábado, dezembro 19, 2009

aos TREZE

Os olhos, as mãos nos bolsos - era mesmo de um charme impecável, uma cara de quem liga estampada tododia e todahora, o cabelo era bagunçado sempre e, mesmo na ápice do caos, parecia no lugar certo; era todo perfeitinho, até o que tinha de mais errado parecia andar ao seu favor, tropeçava e, pá, deus colocava uma menina no caminho, uma coisinha fofa de rabo de cavalo e olhos claros, ou então uma com uns peitos tamanhos que amaciavam a queda, e não importava o quanto elas se sentissem machucadas, porque era só ele levantar o rosto e elas coravam e riam, o charme tava lá olhando-as nos olhos, e o que elas poderiam fazer? Ele não tinha uma sequer nota baixa, era o todo o tempo harmônico; era um inferno, mesmo.

Por isso os garotos da rua de baixo resolveram que iam matar o seu cachorro.

O operação começou três horas em ponto, porque era bem no meio da tarde, distante o bastante do almoço para eles não se sentirem pesados e preguiçosos, e próximo o bastante da janta para eles não ficarem se preocupando com a comida; era inevitável um intervalo para o lanche, eventualmente, então combinaram de trazer uma fruta, mas essa idéia foi refutada, "Fruta não combina com terrorismo mimimi" disse com voz de idiota um deles e o líder aceitou, apesar de achar idiota. Eles tentaram salgadinhos, mas o tempo de preparo até o tempo da ingestão podia não ser o mais apropriado, sabe como é, e o salgadinho murcha e perde a crocância, fica ruim; gordura nem ajuda. Levaram cervejas, no fim, porque eram jovens e porque cerveja tem carboidratos, ou assim diz o que é obviamente o maior imbecil de todos eles, porque era ele que fica problematizando o que deveria ser um simples assassinato de um cachorro que, pelo amor de deus, não eram nem um dos grandes.

Eles não podiam se fantasiar nem nada, o dia ia claro e alto, as pessoas suspeitariam muito mais deles com máscaras na cabeça e vestidos de preto, casacões, essas coisas. Então eles começaram pulando o muro da casa do belo rapaz, que certamente estava por aí espalhando sua beleza por aí com o seu charme irresistível - uma menina da sala deles todos uma vez disse que viu os girassóis o acompanharem em preferência ao sol; o líder tinha certeza que essa foi uma hipérbole, mas talvez o vento tenha soprado na hora errado e isso tinha acontecido mesmo, talvez ela seja apenas mais uma das ridiculamente apaixonadas por ele -- quem liga para essas mulheres mesmo? digo, essas meninas se sentindo tão maduras, tão cheias de si, elas se acham o máximo, sendo usadas por esses cara mais velhos que usam a experiência com as monstrinhas da idade deles para ludibriar seus caminhos até esses malditos e pequenos peitos pubescente, que se deixam tocar porque é isso que fazem as mulheres de verdade e depois se ofendem quando alguém as chama de putas, as putas pelo menos aproveitam o dinheiro que vem com a fama e imagina como deve ser dinheiro, elas são quase um aeroporto internecional de pintos! - e então se arrastaram pelo quintal. Um deles tinha um fronha de um travesseiro, e o outro tinha ração - na frente foi um que era mais conhecido do rapaz, a mãe dele era amiga da mãe do rapaz, e ele estava ali porque ela sempre falava como o rapaz era bonito e charmoso, enquanto ele mesmo era sempre sujo e catarrento e tropeçava em deus e o mundo, mas com ele, quando isso acontecia, o diabo botava uma porta, uma parede, teve uma vez em que até foi um cacto e ele se fodia legal, bem legal mesmo; a ele cabia fazer o cachorro entrar sem grandes alardes, já que o cachorro já conhecia o cheiro dele, enfim. Pegaram o bicho. Ele latiu como doido, debatia na fronha - bateram com ele na parede e houve silencio. Então houve sangue.

Nem dá de saber o desespero que irrompeu de dentro deles; parecia que uma pequena esfera tinha sugado todo o desespero do mundo e da vida, do tempo inteiro de suas existências, e ele tinha sido armazenado e empurrado lá pra dentro e de repente, BUM!, todo correu pra fora, jorrou com uma força descomunal e cobriu-os o corpo inteiro. Eles correram para fugir da evidência, porque logo nos primeiros minutos, quando tentavam escalar o muro com a mesma facilidade com que entraram, descobriram que o desespero se mantinha próximo e era algo do qual não se escapava - no futuro descobririam que eles apenas perde a intensidade para tornar-se culpa, que é uma coisa bem ruim de se viver também.

No outro dia, na escola, o rapaz informou muito tristemente que seu cachorro tinha morrido. Ele, na frente da sala; seus olhinhos cabisbaixos, o rostinho de triste, mexendo o pé para lá e cá - lá estava o mesmo charme, na desgraça. As meninhas metidas a mulheres de repente estavam todas cheias de consolações e abraços, algumas roubavam beijinhos na bochecha e depois riam-se no banheiro; ah, como eram grandes adultas, seus ventres em fogos, suas bocas demoníacas vermelhando-se! Ele combinou um enterro e lá, onde o ciclo da pena pelo pobre menino lindo ganhou novo momentum, eles descobriram que o belo rapaz não tinha interesse nenhum em comprar um novo cachorro, porque, no fim, ele era, a pêlos de cachorro, alérgico.

domingo, dezembro 06, 2009

O sufoco da noite escura e madruguenta fechou sua gargante e pôs os dedos bem dentro de seu nariz. Ele caiu junto com a água em desespero, seu jeito trêmulo rolante até embaixo da mesa; rodopiando e quicando, como moedas de um centavo se perdendo nos cômodos e sob os móveis - mas o corpo dele nem fez o barulhinho do metal contra o azulejo, fez um som seco e fraco, que se abafou rápido e ninguém ouviu. A geladeira, por outro lado, despertou nesse mesmo instante c'um rugido metálico; essa vida inexperada fez um frio da espinha subir e descer por suas costas. Embaixo da mesa, ele se sentia covarde e com frio - nesse mesmo momento, num inexperado de mágica, nasceu o Frioso Amedrontado, seu alter-ego de pequenez acentuada, pés descalços, pijama de marinheiro e olhos gigante de mundo, que o acompanharia silenciosamente em todos os momentos de impotência, humilhação e covardia de sua vida -, certo de que seus pais não ouviriam seu chamado - melhor ainda: que sua boca não conseguiria sequer dar o grito! - quando os ratos da casa cercassem-no e tentassem comê-lo ou, pior, cantar para ele canções de Natal.

quinta-feira, dezembro 03, 2009

poematizando

me incomodam:
as lamúrias de sua luxúria,
e o meu próprio ser misterioso
experiençado no papel de sombra
e no eloqüente tom silencioso
que quando tão bem colocado
diz mais que do que deveria
e que as palavras que me encantam.

mas gosto, porém:
de ver, de novo, no corpo de outro
a melhor parte, ou a que mais gosto,
de mim.

segunda-feira, novembro 30, 2009

já se posta qualquer merda

"Que eu não seja julgado pela minha morte", o bilhete do suicida estatelado agora mesmo nas ruas amontoadas, embora agora vazias, da cidade que, em pleno meiodia, não tinha vivalma nas calçadas nem na rua e, por isso mesmo, levariam horas e horas até que o encontrassem as autoridades, porque os animais certamente o achariam antes e fartariam-se de suas entrenhas quentes e vermelhas e saborosas, claro, porque ele era um homem que não tinha nenhum vício, talvez na morte apenas, e o gosto saudável é melhor, apesar de que os legumes com bichos e sem agrotóxicos façam mais sucesso e sejam preferidos aos menos carcomidos embora levemente envenenados, então talvez se ele tivesse um parasita, uma tênia ou um vírus, ele fosse mais gostoso*, talvez fizesse mal, mas todo mundo morre no fim, ele pensaria nisso cinicamente se pudesse pensar onde está, mas na verdade nem isso ele tinha, se bem que ele tinha um belo par de tênis que eram azuis como o céu só que já estavam se enchendo de buracos de tanto que ele usava começou a rasgar no lado, o tecido não era muito bom, mas nada que é novo foi feito para durar, nem os eletrodomésticos, nem as máquinas, nem as empresas, nem as cidades, nem as sociedades, nem a globalização, nem quaisquer relações, certamente nem o amor, aliás, o amor dele foi uma coisa muito louca e bonita, um primeiro amor que durou anos e durava ainda, porque era uma coisa que ele lembrava com carinho sempre que podia, as vezes até quando estava sozinho no quarto escuro, não o quarto do qual ele pulou, mas de um outro, onde ele morava antes, onde ele amava conteporaneamente o seu primeiro amor, os cachinhos dela, os cochichos dela, os bilhetes e recados, as ligações do telefone e outras coisas que o deixavam vermelho-sangue no rosto, quando o sangue era dentro para deixá-lo assim, olha esse sangue todo aí fora!, será quem é que limpa, talvez no futuro o governo tenha tantas dessas mortes para lidar, esses jovens maquinando e se estragando, o amor é para a razão como água é para um eletrodoméstico, que vai ter toda uma unidade do governo destinada a limpar corpos e varrer o sangue, o que é uma boa idéia, porque talvez mais serviços públicos dêem segurança para mais gente e, por isso, mais gente não se mate, o que é realmente uma ocasião daquelas onde todo mundo ganha.

* aliás, será que se isso for verdade, os zumbis não deveriam se comer entre si para níveis máximos de prazer?

sexta-feira, novembro 20, 2009

TIED TO THE WHIPPING POST!!!

Os olhos turvos abstêmicos; prepare-se! Ele s'afasta, tênis furado e sujo emboreando, mãos embolsadas - não se vê, o jeans é grosso, mas os dedos coçam a perna nervosistissíssimos -, o rosto de o quê neutro escondido, neutralidade borbulhante de risco; ele afasta, mas não podia ser diferente, o coração racha - ele tão fã: joga uma pedra de gelo na coca-cola e o gelo racha inteiro, é apenas pedaços reunidos, esse negócio de estilhaços que é o seu coração, igualzinho - 'inda que inteiro esteja, não espera muito e é ele para todo o lado.

tsc tsc, ele diz. Como ela olha, besta; até a beleza dela é tão pouca, se reduz: cinzas são belas como o fogo, corroem-se e farfalham, incandescem e, com o certo tanto de vento, espalham pelo mundo e isso é bonito, o toda-parte, mas é feio como o nada que sobra e não se tem - o fogo é seu mesmo que machuque e não há lealdade como essa no mundo, ou, se há, ele não conhece. O brilho dela eram seus olhos, ele ri e vê a graça na desgraça - o que exige menos do que s'espera, vê como até o léxico já entrega: tira o des e é só graça, tem mais graça do que des até, então se não se vê o revés da situação, se a vê mais favorável, ela é graça pura -, e é assim que, teimosamente, ele vê ela agora, tod'as coisas qu'ele mais ama s'atropeland'uma co'a outra: mas ele lembra, é claro, como amava nos dias de beijos que se inesperavam intensos onde houvesse não-espaço entre suas bocas. Por isso que ele ama, ou ama mais, ou que ele é romântico: a verdade é que o amor de verdade precisa de uma boa memória e ela esquece tanto, céus, o que é que ela não esqueceu até hoje? Sua boca queima, sua voz de fogo, "Eu sempre pensei que você quebraria meu coração por amor tanto, não por amor pouco".

segunda-feira, novembro 16, 2009

Ela parada na frente do espelho, um púrpura violentado na bochecha, o sossego sôfrego no fundo dos olhos e no fundo do reflexo e ela lembra, impassível, da tarde subindo em crepúsculo, de como ele-- amiúde volta ele e ele e ele, ela fecha a janela. Sente saudade, muito porém, é das crianças, mormente. Seus pézinhos azulados descalçando a grama dos parques, a chuva insinuando ainda uma queda, o céu trovejando e tudo o mais: ela calada e quieta, reprimida, circunspecta, uma doçura sem palavras de braços abertos! Um deles se aproxima, o cabelo endemoniado pelo vento, o nariz ranhento, entrega um convite - o espelho mostra a careta do rosto, desgostosa - Você Está Solenemente Convidada - ela sente nojo, humilhação e vergonha agora, em retrospecto; poderia, mas como?!, ter pulsado eufórica no momento, tão tola e estúpida! e era o que era mesmo, tinha certeza, não havia dúvida; o sangue retornou à ponta da língua salgado, azedo, envenenado, ela engasgou e tossiu sufocada, pôs a mão no pescoço, maldisse o céu e o inferno toda dor e toda - Felicidade, era o que dizia, em letras garrafais e coloridas, esse embrulho disforme. As crianças cercaram-na com seus corpinhos diminutos - cada uma de uma cor; cabelos roupas braços pernas, toda a pele. Uma verde e outra roxa, então vermelha, azul, amarela, laranja, assim ia: pequeninos filhotes do arco-íris elas eram, impetuosas e irrequietas e cantavam sincopadas até que eram só ritmo e o ritmo era um mantra que hipnotizava e o toque de uma só foi o que bastou para ela perceber que o convite não exigia resposta, a Felicidade já tinha aparecido bem diante do seus olhos, gigante como a cegueira, impossível de não se ver. E ele ao seu lado.

quinta-feira, outubro 22, 2009

terça-feira, setembro 29, 2009

epitáfio

Estendo-lhe a mão numa demonstração inexperada de minha, até então inexistente - deveria dizer latente -, solidariedade. Os dedos opacos, frios, finos - me lembram a morte. Mesmo, não o digo só por crueldade! - tocam leves minhas palmas calejadas, seguram-se sem forças em minhas mãos, mas então caem, escorregam-se pelo molhado da água, e seu corpo explode em borbulhas e espumas e ondas no translúcido azulado da piscina. Vejo-lhe a face retorcer-se dentro d'água, seus olhos refratando monstruosos no terror de seu afogamento, as lágrimas unindo-se ao cloro, seu grito em bolhas mudas e então - o frio, sua natureza naturalmente cadavérica: os prenúncios que eu temia serem de meu fim, mostram-se tragicamente tratarem-se do seu próprio -, vendo a lua espelhada n'água, procurando seus olhos no emaranhado sufocado do seu cabelo, e aproveitando candidamente o silêncio súbito, respirei aliviado.

Antes você,
Minha doce amada,
Do que eu.

quarta-feira, setembro 16, 2009

intricâncias d'um romance

[1]
Ele a beijou pela primeira vez nos portões de casa, suas mãos correram-na até a nuca - ela ficou tão surpresa! - e seus dedos 'garraram-se fortes, puxando-a para mais próximo e mais próximo e enfim: o inverno era tão denso naquela época que seus lábios gelavam-se hipodérmicos e pareciam, muito de leve, unirem-se mais de íntimos. Era tudo muito romântico - e só podia, já que é romântico apenas aquilo que pode dar inexoravelmente errado -, os postes de luz clara, a rua sem carros, o soprinho de fumaça furtivando da boca dela entreaberta no pós-beijo, os olhos fechados e assim e tudo mais, e o Me liga que ele disse logo após.

[2]
E esses dedos finos, aracnídeos, alcançaram as bordas dos botões de cobre da blusa, um brilho alaranjado de lusco-fusco metálico escapando quando a brancura da pele dela se revela nos ombros então nus. A boca no pescoço lambia-lhe a pele e mordia a carne, ela caia e deitava fazendo-se de vítima, a cabeça jogada para trás -- as mãos corriam o corpo enquanto a boca beijava seu caminho até os lábios entreabertos em suspiros e inchando-se com o coração acelerado. De entre os peitos até o umbigo, segurando a cintura e então apertando as nádegas, até encontrar entre as pernas um fim propício; a boca dela, ainda calada em beijo, não reclamava e seu corpo, ainda como puro, não fizera movimento algum senão aqueles que se entregavam ao seu toque.

domingo, setembro 13, 2009

o Eu-Lírico que sangra

Muito gentilmente, me disseram - quando eu pedí-los conselho, e deveria ter percebido quando, antevendo suas palavras, soaram fanfarras que eram sinais de sua sabedoria e os limites da minha humildade -, cabeças baixas e sorrisos, um brilho de saudade nos olhos: Amor amor amor e Amor amor amor e, então, Amor amor amor.

Seus olhos acharam os meus e o peso de ambos entre nossos pesares e as palavras foram essas: Não há nada que você pode fazer que não possa ser feito; ninguém que você pode salvar que não possa ser salvo.

Lágrimas se acumularam para se precipitarem. Amor é tudo que você precisa, disseram e elas rolaram.

Dois serafins, no fundo, cantavam: Ela te ama, yeah yeah yeah. Ela te ama, yeah yeah yeah.

Mas as asas de pedra dos céticos não me deixa voar.

terça-feira, agosto 18, 2009

hoje parece que todos os dias a seguir serão noites.

segunda-feira, julho 13, 2009

o romântico que não era

Ali! nem m'olhe assim de canto
não fui eu quem pus.
Alinha um c'os outros, pé com pé,
qu'assim dá (eu supus).
Ali, né? (quand'igo: supus errado)
- entra cabelo fino;
uma bela franja,
liso liso liso liso -
Ali, é. Aponta sempre mais longe
até que dá (e deu).
Ah, sim. Proximando em inspeção
- a boca pequena
bochechas grandes
olhos co'cantinhos -
ficou bonito, até.
Ahlindo (reticências) lindo lindo
(p'p'ponto) sabe o quê?
- quase uma estação
inteira de outono
passa em sopro seco
quieta e tímida
(metafórica) -
Assim, parece olhando daqui
sabe o quê? Ali?
- quase nu(m)a explosão
leitura de carbono
um sente atípico
na estação passada
(hiperbólica) -
um coração.
... mas veja só!

quarta-feira, julho 08, 2009

mil novecentos e 52

"Até algum tempo atrás, o nosso tempo era tanto que nem se ligava mais. Eu vejo hoje, com o verão nessa secura, que os cristais de sal das pedras nas horas de maré baixa tem mais integridade na estrutura do que eu."

Cinquenta e sete anos antes -- há fumaça, como hoje, do seu cigarro -, virado de copos a mais de vodka barata num casebre à beiramar, num silêncio de muito pouco significado, pensava ele na cabeça (ela, que vem no pensamento que segue, tem cabelo de caracóis marrons d'ébano - e quando põe na orelha uma flor amarela parece uma sereia, ou mulher dessas pelas quais se apaixonam - e olhinhos de mel; dorme, agora, profunda no sono dos trôpegos e a cabeça bem atravesseirada no peito dele): que tanto sono tanto só podia ser pros braços d'outro.

A noite tinha duas vezes o infinito de estrelas e o cigarro apagava, fumado de leve e constante pela brisa do sul que gelava o nariz, quando ele percebia duas ursas maior degladiando-se pelo mesmo espaço de céu -- os amores dele, que fluiam feito verso c'um cheiro de lavanda, estabacou-se num banco de areia, redemoinhou (era onde ele estava agora), e deu meiavolta para longe da praia.

Ela acordou, as bochechas rosadas de verão, com o céu à três doze avos acima do horizonte, uma canga florida sobre os ombros e amor nenhum por perto. O mar borbulhava-lhe de volta.

"Só se ama de verdade, acho que posso dizer hoje, os beijos de verão".

segunda-feira, abril 27, 2009

Presenteado de surpresa com um embrulho tamanho, feito de papel colorado e com laço grandiloquente, seu coração urgiu num batebate vulcânico e, do todo que havia, dilacerou em pedaços mínimos todas as tiras do papel.
Um elefante?
Pois é.
Pôs-lho de lado, canteado no quarto, co'a bunda para porta que, disse-lhe alguém, isso dava sorte. O bicho era manso, mas uma presença a ser comentada por todo visitante recente, porém tinha no ar da sua cara, quando feita a pergunta, um Não me pergunte estampado que fez com que, cedo ou tarde, o elefante se fez um móvel.
Foi um incômodo tamanho quando começaram a sumir coisas pelo quarto. O paquiderme fora responsável por tampar algumas com a barriga, comer outras e pisotear algos mais.
Mas era um presente, e ali ele ficou. Tempos depois, daquilo tudo, era apenas o que restava.

variações sobre um tema

[da mesma proposta que deu a luz a esse texto.]

Eu peguei-a pelas mãos, ela 'inda com algo de frio na ponta do dedos, dando-me olhos de curiosidade ao guiá-la, com leves puxões, ao redor da figueira. Tinha ela essa indiferença na tez pálida de sono e, c'um brusco desvencilhar da minha palma, interrompeu o feitiço que, completo, selaria-nos no eterno.

Assim dizia a minha vó, agora já pequena de rugas e cheia das quietudes, quando ainda nela havia ardor o bastante para contar, netos reunidos aos pés - ou espalhados pelo sofá, ou se embrigadeirando na mesa -, das lendas que precediam sua própria infância. Entre elas - não minha favorita, mas a que mais calha-me o momento - de que encontrado o amor da vida, nós, na época tão-tão jovens, deveriamos pegá-lo pela mão, levá-lo até a praça XV e, sem desfazer o aperto, rodear por três vezes o tronco da figueira. Isso selaria nosso amor eterno.

A senhora fez isso com o vô?, se perguntava todas as vezes, e ela dizia que Claro. Agora, se me há algo qualquer de romântico, espero, mesmo que pouco, que seja verdade. Porque algum amor verdadeiro há de existir.

Não que exista alguma desilusão profunda nessas palavras. Mas, direcionado pela Felipe Schmidt e arreadores, pedido atenção no olhar, entre as coisas que se vê - das prostitutas e moribundos, do lixo nas calçadas e da música de orquestra que, atonal com o silêncio das ruas, ecoa de tímida d'um clube pequeno -, o que mais me atrai é perceber que, aos pés da figueira, o que de mais notável acontece é uma despedida.

Eu não faço notas. Eu me esqueço dos detalhes, das cores de camisas e do que se fala. Mas eu posso ver que dentre as silhuetas que circundam a praça, da mãos enlaçadas que arriscam seus caminhos pelos pilares de metal, nenhum deles disposto ou alerta ao que de mais puro um dia, entre as bruxas e feiticeiros, havia aqui.

Eu vou embora. E é feita a noite de um silêncio tão denso que, quase de certo, repousa em coma a alma da cidade.

sábado, abril 11, 2009

Ontem desejou forte que fosse inverno
e a tarde de hoje resfriou tanto que quase.
Tirou cobertas do armário, aquela
velha de pelinhos, vermelha e azul,
e colocou na cama abraçada ao lençol.
Mais tarde, com o ventilador ligado
- para manter o frio mais tempo -
s'acasulou sobre o colchão
e percebeu, que entre o inverno
e o amor da sua vida,
não havia sequer escolha a se fazer.

gratefuldeadian landscapes

"Há de se amar pelo menos um deles, pelo menos um pouco, pelo menos uma vez."

hihi

enfim

E o que eu falo, te seguindo o som seco dos sapatos, para que me ouças e, em sorte, te detenhas e permitas o resto da explicação: Espere aí! (haveria, claro, de ser melhor, mais circunspecta e dileta sem a efusiva presença d'exclamações, não fosse o temperamento exaltado e o tempo curto)

E, hm, a impaciência que me corre pela espinha ao estar tão incerto de tua partida - e vejo agora, em retrospecto, como a tua silhueta s'afastava longerrápido no fantasmagórico do reflexo dos vitrais, uma lágrima furtiva no canto da mandíbula cintilando, revelada apenas pelo cabelo preso que te revelava-me a nuca - no agourento nublar do céu (seria vil demais supor o compartilhamento de minha desgraça com o resto do mundo?). Os meus olhos prenderam-se aos teus calcanhares como se deles dependesse minha humanidade.

Num violento refluxo carnal, tomei-te nos braços de súbito, tão rápido vi em teu andar alguma dúvida de parada. Postes-te na ponta dos pés enquanto eras bailarina nos corredores, num meiogiro que te ergueu o cós da saia, suspensa o bastante para permitir o encaixe hermético de nossos lábios. Falamos por longo momento, quase discursados sobre o assoalho, antes de desvencilharmo-nos arredios e eriçados, sentindo, misturado com o francês do teu perfume, o olor intenso do sangue vivo.

Meu Eu te amo reverberou pelas paredes, causando-te um asco tão fresco que, na expressão da tua face (de onde a beleza do meu amor eu ainda via), sobressaltou três leves pulsos do meu coração. Eu não posso acreditar, tu me disseste. Procurei na tua voz uma verdade entre o rancor, acostumado com o jeito costumeiro de cortares-me com palavras, e vi a realidade translúcida do ruir do teu afeto. Fiz-me quieto.

É isso?, foi meu sussurro, depois dos eternos segundos em que temi a inevitabilidade dessas palavras, Nosso amor não vale a luta?, e era eu a criança de vidro à tua frente. De olhos molhados e com teu sorriso mais doce de todos, fechastes os braços no teu peito, encaixastes tua forma pequena no meu abraço, e soprastes no meu ouvido: Que amor?

quarta-feira, abril 01, 2009

Tinha todo esse horizonte de cataventos-geradores-eólicos e o sol semi-escondendo atrás da grama com um brilho invernal fervilhando. Duas doses de malumor. O pesadelo de que as luzes da casa não acendem mais de noite e é tudo tão só-sozinho que dá esse gostinho de desesperança meio bom e eu te ligo só pra te dizer que Sem você não dá mais. Eaí você não atende.

terça-feira, março 31, 2009

soslaio de maio

Percepto um nó mais novo no meio garganta, daqueles que não se lava c'um copo d'água, feito a flor polinizada s'inflando no frutífero do outono, esse que dança ainda quente em veraneio ao ignorar seu ao sul dos Trópicos. M de E de R de D de A de calor e de frio condicionado que, sempre sem falta, me tampa o nariz!

Autposio a situação com o filete tenro do bisturi no frio afiado da traquéia, mirando o acúmulo da maçã [ou seria morangos? daqueles muitos...] ao redor do pomo, e acerto no núcleo 'inda pulsante. É incômodo. O dedo cutuca pela pele, mexe no quente do esôfago e desencadeia a epilepsia do sufocante. E de lá, em espamático debate e sibiliante escárnio!, no choro solitário de uma gravidez inexperada, piam umas últimas palavras aninhadas no sem-ar do nunca-dito.

Assim elas vieram, ao lamber da língua no vidro e no acre cheiro do sup- e post-erior da coxas, com o gosto umidecido do vinho à'vinagrado e a cor ocre da terra salgada.

Mas vinham agora, abortadas, ou, abortivas, abriam as alas para a procissão dos Sem Esperança.

sábado, março 28, 2009

É preciso muita fé para ficar na mão.

Mas sem preocupações qu'eu nem reclamo disso não.

terça-feira, março 03, 2009

palavras que mudam vidas

Ela, de porta aberta, me diz Vem.

sábado, fevereiro 28, 2009

de arquitetos e ferrugem

Ele compreendeu quase nada quando sopraram-lhe no ouvido -- e, não se enganem, ele não era mais do que um infante dos seus 5 ou 6 anos -- que era um arquiteto de gente. Parte pelos cheios de pequenos embolos da pronúncia da mulher, meia bêbada de metade sóbria paranóica, parte por não ter lá as maiores noções de rascunhos e fundações; a mãe em desvencilho brusco das garras da mendiga-profeta com suas próprias previsões de bocassuja para a carcaça velha na soleira cantou pranto quase oratório para que ele esquecesse o que lhe fora dito - ela sequer sabia, mas supôs maldição por força d'hábito [e maldição de fato era] - mas o estrago era impassível de reversão.

Anos e anos mais tarde, porém, mesmo num relance ele tinha essa imagem warchavchikiana de quem a pessoa exposta era, como fosse uma prancheta totalmente preenchida, regulada, reta e sem esconderijos; não era roubado, enganado, feito de bobo, nem nada nada de ruim. Ele estava sempre - feito quem tem em mãos a planta da construção -, passos e passos além dos outros homens. Logo, ele sequer frustava-se das insurpresas da vida, bem encaixado na máquina do mundo e empaturrado de sua própria sabedoria; e assim seria, não fosse os tropeços que se seguem.

Ele era, claro, dos maiores intelectuais do modernismo. Conhecia todas as pragas urbanas como as casas de Frank Lloyd Wright, Le Corbusier, Oscar Niemeyer e contemporâneos; era fruto inseparável da estática da cidade, como eram os males veneno extraído do concreto. Mas como estabalece-se o contraste sempre de forma inesperada - e ele era, nesse momento, tão aflitivo quanto verde-vermelho -, feito fonte orgânica em campo aberto bucólico, seu rascunho final foi descartado como inconstruções de Antonio Sant'Elia por uma fundação corroída, inexperada, encontrada feito coisa totalmente nova nos braços de uma mulher.

(...)

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Este tal Carnaval

me dá um asco que, nossassenhora, puta-que-o-pariu, eu nunca vou entender de todo muito bem.



Edit; minutos depois:

Fogo vermelho; o canvas completo de borrões de tintas com não mais que impressões de formas e impressões de gente e impressões de momentos. Confete por todo lado, do chão de papel barato pintado picado ao espaço aberto em queda seca pra pontilhar a vista feito um rápido delírio, talvez uma explosão rápida do dilatar da retina ou quando os cones s'atrapalham no impacto da subida da última tequila e assim vai, assim vai -- assim vai passar pela avenida bloco animado, fotografado em película com rastos de movimento constante, feito um único corpo [com claros pontinhos de união, verdadeiramente falando] em espasmo de, álcool! álcool! á-al-co-ol?

A pocavergonha é a forma como já s'entra pensando na história, é como sair para escrever um livro de contos onde toda história tem que ter uma anedota, uma tragédia, um romance; e se todo momento precisa de um clímax e, derrepente, o clímax vai arrastando e estendendo sem encontrar fim, é tudo uma questão obtusa de mentira, quando somos dúbios na felicidade [e rezoadeus um juízo último onde queima-se os pecadores], devorados como carne pela necessidade de uma com-v-maiúsculo Vida tão próxima do cerne, fazendo do povo tão medíocre tentativa de ser original, de ser vivo e pulsante, pegando o tempo apenas para descobrir que o orgulho qualquer de huminadade é de menos humanidade possível; e tudo isso é besta porque quem liga para livros quando o importante é plantar as árvores.

...

Eu quase podia jurar que isso faz sentido.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

counted minutes

Fzz made the electric lightning that connected the plug to the guitar, as instant fuzz of white noise. No special need to touch the strings, the sound floated of itself, fingers, if anything, only channeling the music already there like an old radio capturing both poetry and static.

It - this pure sound -, which I found so effortlesly around, laying its own way concretely leaving no space space-free, was a sound found everywhere for as long as I've been alive. I don't recall when I first heard it, only that my first memory was of finding in it as much familiarity as I find in it now. It goes back to the early 90's, as my music-adoring cousins [I was, back then, nothing short of a musicless person; not particulary soulless, nor godless, but as an infant, I couldn't care less for faith or anything close to metaphysical; therefore, I couldn't care less for music] spend their afternoons of boring no-beach days around my grandpa' TV set watching vigorously what was new on MTV. I found it again as I came of age, in the realization of filosofical matters that made me a lot more eager to devour sounds as a mean of transcience, taking a back step to more knowledge then surfacing more and more inbetween songs until I heard songs only because I knew that I would find it there. I met it, in the last place where it marked a great change, on my girlfriend's ipod, riding the bus, hiding so profoundly on whatever her music is that its discovery could prenounce nothing but love. Now, this was not the only places I found it. In the right mood, of spirit or company, I've heard it even on the woods, blown by the wind to my ears, where it settled confortable and meaningful; the same way, it came on insone nights, as the dusk was drawing near and sleep seemed so far off - I wonder, halfway this line, where everybody I know should be at the time... - to make place for dreams; is was on the right set of arms, on the right ways of nights; it was soaked with good memories, and making light of the bad thoughts that make me monstruos and of the recollection of long-dreamed nightmares.

I met it again tonight, as a friend of ages ago, warming me up with everything I desired.

Wait.

With everything I desired - with, I dare to say, happiness - while I'm alone.

It's funny stuff, my man.

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

casa

Chegou banhado de fumaça de cigarro, amou a mulher uma última vez e, retendo no peito as mãos espalmadas sobre o coração, propôs a Deus uma visita mesmo que breve para admirar sua miséria; viu o quarto em rodopios balésístico de cachaça barata e, torcendo-se gato nas cobertas, adormeceu sem banho até o fim tão breve da madrugada.

Como manso, no amor primeiro, ele aproximou o nariz da nuca desnuda e cheirou-lhe suave o perfume gasto, já misturado com um azedo de suor, num gesto casto de adoração, antes de liberar-se das roupas e lavar-se com ela ao acompanhar a pele desnuda e as superfícies macias e os pêlos rebeliosos com as mãos, encaixando como que por vez única já dessentimentalizado e em causas de cunhos carnais.

Era sempre o número dobro de doses depois para ir embora do que o primeiro terço para coragear o ninar nos braços. O jeito apropriado das calçadas era iluminado pelos postes de clareio laranja, luziando seu corpo e sombreando as paredes com silhuetas amorfas que, cachaceado, ele poderia jurar ser a de um cachorro. Ele tomou lições de soluço na primeira esquina.

(...)

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

rascunho

No apogeu do inverno, despencou uma brisa suave que incandesceu a chama por mais momento, irradiando um calorzinho de meio sem força, desses que parece a aproximação lenta dela ao repousar a cabeça no seu colo, cobrindo-se com esse frio meio sem graça que os fez puxarem ao outro para mais próximo e acasularem-se nas cobertas, acovardados do mundo lá fora. Ela lhe deu daqueles olhos preguiçosos, recém-despertos ainda embotados de sonho fundo, escalando até o peito e s'esticando para beijar-lhe o queixo num silêncio confortável, e se sentiam nus e entre as cobertas pesadas -- não muito mais tarde, os olhos dela laminaram-se feito metal, desfocaram no horizonte antes dela me retornar inteira com um sorriso agradável e perceberam-se quase por todo desperto e cedo cedo haviam raiado como o dia.

"Não, mãe, tá tudo bem aqui."

Foi apresentado à razão nos olhos dela. Tanto tempo passado e tanto tempo agora e tanto tempo depois fez deles tão íntimos que, mesmo tão agora, o silêncio entre eles não parecia mais empecilho para a mensagem. Nos olhos dele viu que era por amá-la que a esperava terminar a ligação, dando-a a valiosa consciência de últimas palavras e duma despedida; nela, superficiando a íris, o reflexo do cano da arma apontado para o meio da testa. Ele pôs o telefone de lado Te amo mãe manda um beijo pro pai e com um sorriso dele a cabeça dela estava espalhada por toda a sala.

De todas as coisas que aconteceram, porém, a que veio mais como surpresa foi no abrir dos novos olhos ver-se repousa diante de Osiris. Sobre seu ombro, a cabeça empoleirada de Horus; mais como pássaro que deus, ele virou a cabeça de penas e bico pontiagudo, mirando-a com o azul fundo do único olho ainda inteiro, outro cego por um vermelho coagulado, prestou reverência ao pai e, após ter buscado pessoalmente a alma da mulher até o paraíso, farfalhou as asas na abertura e voou embora.

Anubis adentrou os aposentos reais com pressa, tinha jeito selvagem e um brilho cirúrgico nas retina de chacal, abaixou-se até a mulher, meteu-lhe as mãos nos ombros e a pressionou com força até o chão. O fucinho dilacerou-lhe o peito com violência e mordiscando o coração que batia arrancou-lhe entre filetes de sangue límpido para carregá-lo até a balança dourada aos pés de Osiris. Dum lado, uma pena, do outro, o coração da mulher.

A balança pendeu suave para o coração, movendo devagar até tocar o fundo. Anubis feito animal encarou a moça -- tão débil no chão, de imagem fraca e peito aberto, viva como que pela já morte -- com curiosidade, então com fome. Feito eco de trovão num cânion largo, a voz de Osiris em seu Por quê fez suspender todo o resto e desencadeou os rosnares de Anubis "Ela carrega no coração o perdão dum assassino". Osiris desapontou-se. Fechando as mandíbulas sobre a clavícula e trazendo consigo o coração, o cabeça-de-chacal atirou a moça dos altos às águas do rio, onde ela foi feita banquete dos jacarés até tornar-se lama do Nilo.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Atestando sua materialidade contra a luz! Era silhueta bela e esbelta, dumas curvas tão suaves e absurdas e as mãos como carrinhos pelas dunas de pele bem rápido e rápido e depois lento e demorado aproveitando a queda e a gravidade preguiça e saudade, até atunelar-se entre as pernas além mundo interno cada vez mais profundo e profundo até amar pelo aveso mesmo ele tão aveso aos sentimentos e era assim e grãos ao vento esperando cair por terra e germinar germinando grandes árvores e tu-tu-tu-tu-tudo era novo e fascinante, os olhos tão poucos para absorver tanta informação que a informação fluía em afluentes pelo corpo e pelos olhos e beijinhosbeijinhos de despedida de cansaço de banheiro de rio de janeiro de nada mais que despedida e como fome veio o desejo de ter na boca algo de mastigar e engolir de sentir os sucos e os sabores, impedindo que as coisas se mantessem cabeçaacabeça onde estavam já tão distantes na proximidade sufocante que foi então necessário, primeiro em segredo mas seguido de um extrapolar gritante, ser um.

Ela repousou a cabeça n'ombro dele e dormiram o resto da noite. O gosto do/pelo escuro.

terça-feira, janeiro 27, 2009

tensão

Olhe-- olhera-- arght, orlhe-- olhe -- AH BUCETA! O-RE-LHA.

sábado, janeiro 10, 2009

Not enough time.

Foi dado tempo ao momento eterno e das suas mãos ela escapou tão devagar, tão sutilmente escorregadia que sequer se percebeu o que havia até perceber-se sozinho. Em dias futuros, curiosamente mórbido viu nascer a vontade de ver-se naquele momento, tão incrédula sua expressão de surpresa; mas uma surpresa tão nova, recente, que s'arrastou pelo seu corpo de tal forma, tão como uma prostituta sobre sua cama, jogando os lençóis no chão, abdicando das roupas tão sem pudores, logo tão nua sobre sua carne que havia nele apenas uma verdade palpável e palatável, de gosto salgado; sal de suor, de lágrimas, de gozo e fluidos vaginais, manchando a cama para impedir que sonhos bons florescessem.

Num fechar de portas, ouvindo a maçaneta encaixar-se no trancar da porta, fechou os olhos por'instante pouco, menor do que o de um respiro, talvez tão súbito quanto uma batida do coração. Fez as malas, seguro da forma - riu ao perceber-se tão estúpido, embora fosse tão certo de si qu'era obrigação sua aceitar a estupidez como se aceita, bem, como aceitou-se o amor - como encontrava coisas novas no lugar das antigas, guiando-o adiante para sabe-se-lá. Dos desejos não havia nada, sequer verdade ou desejo, mesmo. Do mais, demais, era um descaso tão completo que isso era tudo.

Nem a arte foi salva.