Os olhos, as mãos nos bolsos - era mesmo de um charme impecável, uma cara de quem liga estampada tododia e todahora, o cabelo era bagunçado sempre e, mesmo na ápice do caos, parecia no lugar certo; era todo perfeitinho, até o que tinha de mais errado parecia andar ao seu favor, tropeçava e, pá, deus colocava uma menina no caminho, uma coisinha fofa de rabo de cavalo e olhos claros, ou então uma com uns peitos tamanhos que amaciavam a queda, e não importava o quanto elas se sentissem machucadas, porque era só ele levantar o rosto e elas coravam e riam, o charme tava lá olhando-as nos olhos, e o que elas poderiam fazer? Ele não tinha uma sequer nota baixa, era o todo o tempo harmônico; era um inferno, mesmo.
Por isso os garotos da rua de baixo resolveram que iam matar o seu cachorro.
O operação começou três horas em ponto, porque era bem no meio da tarde, distante o bastante do almoço para eles não se sentirem pesados e preguiçosos, e próximo o bastante da janta para eles não ficarem se preocupando com a comida; era inevitável um intervalo para o lanche, eventualmente, então combinaram de trazer uma fruta, mas essa idéia foi refutada, "Fruta não combina com terrorismo mimimi" disse com voz de idiota um deles e o líder aceitou, apesar de achar idiota. Eles tentaram salgadinhos, mas o tempo de preparo até o tempo da ingestão podia não ser o mais apropriado, sabe como é, e o salgadinho murcha e perde a crocância, fica ruim; gordura nem ajuda. Levaram cervejas, no fim, porque eram jovens e porque cerveja tem carboidratos, ou assim diz o que é obviamente o maior imbecil de todos eles, porque era ele que fica problematizando o que deveria ser um simples assassinato de um cachorro que, pelo amor de deus, não eram nem um dos grandes.
Eles não podiam se fantasiar nem nada, o dia ia claro e alto, as pessoas suspeitariam muito mais deles com máscaras na cabeça e vestidos de preto, casacões, essas coisas. Então eles começaram pulando o muro da casa do belo rapaz, que certamente estava por aí espalhando sua beleza por aí com o seu charme irresistível - uma menina da sala deles todos uma vez disse que viu os girassóis o acompanharem em preferência ao sol; o líder tinha certeza que essa foi uma hipérbole, mas talvez o vento tenha soprado na hora errado e isso tinha acontecido mesmo, talvez ela seja apenas mais uma das ridiculamente apaixonadas por ele -- quem liga para essas mulheres mesmo? digo, essas meninas se sentindo tão maduras, tão cheias de si, elas se acham o máximo, sendo usadas por esses cara mais velhos que usam a experiência com as monstrinhas da idade deles para ludibriar seus caminhos até esses malditos e pequenos peitos pubescente, que se deixam tocar porque é isso que fazem as mulheres de verdade e depois se ofendem quando alguém as chama de putas, as putas pelo menos aproveitam o dinheiro que vem com a fama e imagina como deve ser dinheiro, elas são quase um aeroporto internecional de pintos! - e então se arrastaram pelo quintal. Um deles tinha um fronha de um travesseiro, e o outro tinha ração - na frente foi um que era mais conhecido do rapaz, a mãe dele era amiga da mãe do rapaz, e ele estava ali porque ela sempre falava como o rapaz era bonito e charmoso, enquanto ele mesmo era sempre sujo e catarrento e tropeçava em deus e o mundo, mas com ele, quando isso acontecia, o diabo botava uma porta, uma parede, teve uma vez em que até foi um cacto e ele se fodia legal, bem legal mesmo; a ele cabia fazer o cachorro entrar sem grandes alardes, já que o cachorro já conhecia o cheiro dele, enfim. Pegaram o bicho. Ele latiu como doido, debatia na fronha - bateram com ele na parede e houve silencio. Então houve sangue.
Nem dá de saber o desespero que irrompeu de dentro deles; parecia que uma pequena esfera tinha sugado todo o desespero do mundo e da vida, do tempo inteiro de suas existências, e ele tinha sido armazenado e empurrado lá pra dentro e de repente, BUM!, todo correu pra fora, jorrou com uma força descomunal e cobriu-os o corpo inteiro. Eles correram para fugir da evidência, porque logo nos primeiros minutos, quando tentavam escalar o muro com a mesma facilidade com que entraram, descobriram que o desespero se mantinha próximo e era algo do qual não se escapava - no futuro descobririam que eles apenas perde a intensidade para tornar-se culpa, que é uma coisa bem ruim de se viver também.
No outro dia, na escola, o rapaz informou muito tristemente que seu cachorro tinha morrido. Ele, na frente da sala; seus olhinhos cabisbaixos, o rostinho de triste, mexendo o pé para lá e cá - lá estava o mesmo charme, na desgraça. As meninhas metidas a mulheres de repente estavam todas cheias de consolações e abraços, algumas roubavam beijinhos na bochecha e depois riam-se no banheiro; ah, como eram grandes adultas, seus ventres em fogos, suas bocas demoníacas vermelhando-se! Ele combinou um enterro e lá, onde o ciclo da pena pelo pobre menino lindo ganhou novo momentum, eles descobriram que o belo rapaz não tinha interesse nenhum em comprar um novo cachorro, porque, no fim, ele era, a pêlos de cachorro, alérgico.