Seu corpinho era um quase nada, a vassoura nos seus braços muito maior em tamanho, muito mais notável -- ela varria e se cobria de fuligem, uma nuvem surgia do pó descansado no chão e a engolia, seu serzinho mirrado desaparecendo duma hora pr'outra e é isso: os mais fracos diriam que era tudo assim tão simples, acontecendo tão rápido, porque ela tinha uma grande facilidade em não ser; sua pouca carne, sua pele em mofo, seus olhos de um sem nada raso (por certo dormia e nem um sonho tinha; ou se vinham eram incômodos, reviventes do dia vivido, e neles ela varria e sumia na fuligem, de novo e denovo edenovo); mas era só por dó que o mundo nem incomodava, não dava atenção que fosse. Ela, meninha, varrendo... e o pó; é uma história inteira.
Só que era um dia que de tão claro mudava as coisas, suas mãos sujas s'abriram para um presente (os dedos eram como todo o resto: finos, ásperos, ressecados, cobertos de sujeiro), um doce bem grande e de açúcar, de tão bonito fazia ela até mais rota - ela comeu e enjoou, mas achou, meu deus, ela não sabia palavra para essas coisas e morreu de medo de tudo o mais que tinha no mundo porque aos olhos delas tinha de tudo e ela podia provar, ela podia ser diferente! -, mas pelo presente ela teve que fazer uma coisa, nada vem de graça, nem bondade. A mocinha ensinou uma música, e treinou com ela, disse que ela podia cantar para sempre, que música é essa coisa assim, se aprende e então é sua, e quanto mais sua ela é, mais se canta quando mais sozinha se está, você entendeu? sua cabecinha fez que sim, e ela sorriu, porque o mundo tinha segredos também, vai ver ela mesma era um!, e agora tinha tudo que se via e mais uma porção imensurável de coisas que não se via mas estavam acontecendo agora, ao mesmo tempo e o tempo todo e ela pode ouvir o mundo ao mesmo tempo, na sua cabecinha inventada, que de tão pequena mal cabia uma voz, quem dera reter o peso do mundo! Então ela teve que dar as mãos para outras meninas e cantar dançando em roda, depois ela sozinha cantava para essa máquina, e tinha um vidro com uma menininha dentro, que cantava com ela junto, era uma máquina que não deixava ninguém sozinho, era isso que ela era, e aí ela se envergonhou dos olhos da menina-da-máquina, olhando ela, as duas juntas Ciranda cirandinha vamos todos cirandar.
A moça falou obrigada e levou tudo embora e as meninas também foram. Ela estava sozinha de novo; a grama verde era trespassada pelo sol, o céu armava tempestade ou chuva mansa, seu azul se perdendo e desbotando, todo mundo ria e tinha alguém, e para ela o que ainda tinha? Tinha o mundo inteiro para brincar, mas ela era tão pequeninha - com trinta e sete anos ela ia ter saudade, porque pequena ela cabia em mais lugares, se escondia mais fácil e, sozinha, podia cantar só para si que O anel que tu me deste era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou, por isso pequena Maria entre dentro dessa roda, diga um verso tão bonito, diga adeus e vá embora.
Só que era um dia que de tão claro mudava as coisas, suas mãos sujas s'abriram para um presente (os dedos eram como todo o resto: finos, ásperos, ressecados, cobertos de sujeiro), um doce bem grande e de açúcar, de tão bonito fazia ela até mais rota - ela comeu e enjoou, mas achou, meu deus, ela não sabia palavra para essas coisas e morreu de medo de tudo o mais que tinha no mundo porque aos olhos delas tinha de tudo e ela podia provar, ela podia ser diferente! -, mas pelo presente ela teve que fazer uma coisa, nada vem de graça, nem bondade. A mocinha ensinou uma música, e treinou com ela, disse que ela podia cantar para sempre, que música é essa coisa assim, se aprende e então é sua, e quanto mais sua ela é, mais se canta quando mais sozinha se está, você entendeu? sua cabecinha fez que sim, e ela sorriu, porque o mundo tinha segredos também, vai ver ela mesma era um!, e agora tinha tudo que se via e mais uma porção imensurável de coisas que não se via mas estavam acontecendo agora, ao mesmo tempo e o tempo todo e ela pode ouvir o mundo ao mesmo tempo, na sua cabecinha inventada, que de tão pequena mal cabia uma voz, quem dera reter o peso do mundo! Então ela teve que dar as mãos para outras meninas e cantar dançando em roda, depois ela sozinha cantava para essa máquina, e tinha um vidro com uma menininha dentro, que cantava com ela junto, era uma máquina que não deixava ninguém sozinho, era isso que ela era, e aí ela se envergonhou dos olhos da menina-da-máquina, olhando ela, as duas juntas Ciranda cirandinha vamos todos cirandar.
A moça falou obrigada e levou tudo embora e as meninas também foram. Ela estava sozinha de novo; a grama verde era trespassada pelo sol, o céu armava tempestade ou chuva mansa, seu azul se perdendo e desbotando, todo mundo ria e tinha alguém, e para ela o que ainda tinha? Tinha o mundo inteiro para brincar, mas ela era tão pequeninha - com trinta e sete anos ela ia ter saudade, porque pequena ela cabia em mais lugares, se escondia mais fácil e, sozinha, podia cantar só para si que O anel que tu me deste era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou, por isso pequena Maria entre dentro dessa roda, diga um verso tão bonito, diga adeus e vá embora.