sábado, março 10, 2012

dia bom pra quarar o passado antes que ele mofe.

sábado, dezembro 04, 2010

as estrias de maria

(de 04 de dezembro de 2008)

Estava, de fato, na perseguição implacável de um único momento retomado em'inha memória, de fogo fátuo, quando posta ao espelho alisava a recém-feita barriga. Tinha jeito suave de esticar a pele, correr pelas marcas, contornar as estrias com a ponta dos dedos. Desejosa, via nos olhos lágrimas que teimariam em brotar?, porém quieta, não me reclamava nada, sequer nada dizia; pelo contrário, entregava-se a isso sempre quando ia-me longe e a solidão caia-lhe como coberta ou proteção.

No deitar sobre o meu corpo, no abraço dos meus braços, quando fazia-me do ombro travesseiro ao reclamar de todo cansaço e sono dos dias, afastava minha mão quando era alcançada a barriga, cobria-a novamente com a camisa do pijama e pedia-me sossego. Cruel, cruel, ignorando a forma como me havia dedicação e saudade nas mesmas linhas que a desconfortavam, calava-me apenas pela beleza que ela apresentava, agora clara como das mais cristalinas; isso e pela marginalidade da minha adoração, quando ela dorme profunda e eu acordo, como que despertado por mágica, tamanha a pontualidade, e ergo quieto as cobertas, escapo pela camisa, e dedico um único beijo ao umbigo meu.

Era tudo muito secreto, de todo escondido. Havia, por isso, graça das maiores no quão sigilosos nós éramos. Silenciosos, porém, fazíamos do barulho um caos e, na minha furtividade, o murmúrio do mexe-mexe nas cobertas me sobressalta, e escapo antes que desate o escândalo. Debruçado sobre o berço, busco-a no colo quando ela arrisca um choro, co'esse jeito de se franzir toda tão puxado da mãe, mas se cala no meu abraço por mais um pouco, deixando o resto da casa dormir.

quarta-feira, outubro 27, 2010

sombra pelas águas

Apareceu súbita: vinha correndo e tinha nos olhos um brilho fanático, uma coisa de fogo queimando por dentro, que, saída para fora, tomava o horizonte num farfalhar selvagem, dando cor de vermelho e tantas outras, carbonificando firmamento acima até a noite. Lia-o as mentiras como quem lesse um poema, achava rima e graça no jeito tolo de enganar no que dizia, não sabida dos jeitos cruéis de invadir um coração pela garganta - e então seguindo as veias, passeando o corpo todo, até o sangue mesmo resolver que ela voltava e acabava bem no músculo, com esse desinteresse sem maldade que só fazia a situação mais difícil - e, por isso e muito mais, era uma coisa perigosa.

Ele não sabia como tinha a aceitado tão sem luta, e a cada momento desimpedido, a mente limpa, ela surgia numa lembrança e ele era todo questionamento; embolsava as mãos, coçava a nuca, suspirava rangendo os dentes, andava círculos e ao redor de coisas paradas, chutava coisas caídas, latas e poeiras e folhas de plantas secas. Não encontrava resposta para o descontentamento que era tê-la tão adentrada no seu ser, ao ponto que ele misturava sua solidão à imagem dela, sempre repetindo as coisas mais lindas em que ele a vira, as roupas favoritas e os trejeitos mais escapados, ou o sorriso mais quente e as palavras tropeçadas e bêbadas de um dia bom. Fosse mais adepto do drama, de impor uma gravidade de colosso a esmagar suas certezas, estaria aos prantos num pé de cama, induvidado de que ela era a paixão da sua vida - não apenas de carne, de mulher, de amor e todas essas trocas, mas de uma coisa a ser compreendida e estudada, ao ponto de conhecê-la aos contrários e distorcida, através d’água da chuva e da noite, ou piscando colorida num movimento incapturável entre as luzes de um bar - e sua dedicação seria a vida ao mistério e farsa que ela era.

Acontece que ela, muito despercebida pela doçura que era seu encanto, dava ritmo a sua vida sem contar com ele caído (de amores), e seguia distanciado como que sem forças para lutar contra o vento - e nem podia, e isso era todo o peso da sua alma, essa incerteza lavada que apedrejava seus caminhos, lameando os pés trôpegos e sujando o corpo, impressionando que um dia ela fosse toda rota e as sebes do vento finalmente a deixassem em frangalhos e sua última lembrança fosse onde o nome estivesse anotado e escrito, porque o corpo já era há muito e fora emborcado pelo infinito -. Então que ele, já há muito apaixonado (talvez que por só um minuto, mas a eternidade parecia, mesmo que só pelo todo esforço do corpo em senti-la assim tão próxima), passou a persegui-la com olhos descontrolados, tentando especializar na arte de fechá-los ou desviá-los antes que ela os percebesse, indo e voltando dela para uma janela, ou dela para o céu, ou dela para o livro que ela lia, porque não tinha nele ainda a vontade de possuí-la nos braços nem saber as graças da voz; não arriscaria esse momento sublime de farrapo humano, de perder o ego e implorar uma presença alheia, essa coisa doce e arisca que é domar o selvagem de um novo amor, pelas palavras dela que carregavam o peso dogmático de dizer que sim ou não. Arrepiava, gemia, sonhava acordado em cada passo, não deixando um único momento silencioso de calma - ela seguia, pouco sabida, sendo gentil quando podia e, isso o atormentava, ela não fazia porque convia, mas porque era, e só o confundia ainda mais. Essa bondade negra, de alegria sem sentido, ela cheia de uma sem-timidez de ser uma tola; ela era lambuzada de um paraíso traído, perdido na impressão de pureza dos seus olhos, na franqueza das palavras e dos jeitos carinhosos de fazer qualquer um especial -- ele temeu tanto estar tomado pelos encantos que um dia, os dois novamente embriagados, corpos caídos próximos, ele resolveu não a olhar, escapando da hipnose das formas e os movimentos ritualísticos de seu corpo: aconteceu que a voz dela inda mantinha o mesmo apelo, cada palavra dita de um jeito translúcido com que ele pudesse atravessar com os olhos as intenções, e como a vontade dela - o sopro do vento, enfim - aproximava da sua, como atraídas ou magnéticas de desejo, disparava seu coração. Num instante mesmo, ela aponta uma menina e pergunta "Ela não pára de olhar, porque não vai lá e beija ela?"

"Assim como o cheiro da comida sendo feita, a quem está saciado causa enjôos, o mesmo acontece a um coração tomado, apresentado a possibilidade de um outro amor", respondeu.

Ela gemeu rindo-se, "Você fala de um jeito tão estranho ás vezes".

"Isso é ruim?"

Ele via no riso dela, nas curvas do rosto, no jeito do resto, a negação formando-se nos lábios "Não--", o sossego dela, como não tinha ele pensado antes?, tinha gosto de cerveja e morava na superfície da sua boca.

quinta-feira, outubro 14, 2010

(não)autobiográfico

you losin all the fun, man.

quando se atualiza o post, o nome continua o mesmo. aqui jaz, em primeira lápide, maria amava perdidamente (é verificável); seguiu-se outra história de Maria, menina mais linda desse mundo (apesar de nem por dentro nem por fora), que também se foi (minha doce maria se perde, criação etérea de túmulo no vento).

mas a maior graça é o poema perdido, que sempre me arrependo (fui besta e mesquinho e acabei pagando as contas), do qual descobri o nome recentemente: daquilo e papapá. não sei mais do que se trata, mas acho graça e lindo-lindeza.

poetizo, meus amores & não poetizo meus amores. é do que se faz a ironia: um muito de verdade amarga.

beijos!

segunda-feira, outubro 11, 2010

todo domingo é maligno (uma meia conversa)

[paranóia pública é mais sem graça, mas enfim].

nem por isso, (...). não lembro de te ver d'olhos abertos além da meianoite sem um copo de cerveja na mão há tempo tanto que talvez nunca.

mas enfim, domingo anoite tudo é meio de lado...

na verdade, por mais incrível que pareça, é um ponto por demais válido. ignoro.

aliás, pimpimpim raio de lua pimpimpim solto no tempo lalalalala
cada coisa que me surge na cabeça eu hein.

[ressaltando do cadáver da conversa: vejo validade no meu ponto, mas tenho preguiça demais em me fazer literal. que fique o literário, então]

e essa música nem é romântica, não pode culpar o amor... mas é velha, então culpa-se a noite.

agora, juntos: ouviram, do ipiranga, as margens plácidas

nossa, o john smith e a pocahontas morrem longe. eles sequer se casam e ela ainda traz ao mundo os filhos de outro cara. até o hino nacional foi mais romântico.

e quem é que tem descendência portuguesa? é alemão, tsc tsc.

e ainda tem a bundamolice de dizer que eu que não a penso com afeto o bastante... mas ok ok, seus seiláoquê devem ter te confundido.

duvido.

de tudo.

[menos do meu amor]

ainda é das piores comparações possíveis.

nível disney de romance é quase nível nenhum.

aiaiaiai

também te amo, oras.

sábado, outubro 02, 2010

domingo, setembro 05, 2010

god only knows

Quem é ela?, com sua fala pequena, sua cor desbotando, suas perguntas vazias, suas respostas sem sangue, dizendo-me coisa sobre coisa que eu esquecerei no rodopio de suas palavras, sua história que se borda intermitente, cortando as pontas e dando laços sobre superfícies bonitas, de brilho barato: sua cama de setim, prostituída pela tecelagem, manchada de restos de corpos pulsantes, de suores silenciosos que secam lentos no inverno, colando-se à pele que se levanta, que se lava e se perfuma. Quem é ela, com seu nisco de silhueta, seu corpo suave bom de se tocar, seus olhos de brilho passageiro e sonhos translúcidos de grandeza, sua mágoa profunda do passado e do futuro, mas sua paixão se consumindo no presente, homem a homem, boca a boca, puxando a alma com a língua e a mastigando impiedosamente com os dentes, cheia de fome e sede, anêmica, voraz. Quem é ela com o cigarro na boca e o cigarro na mão, tragando de olhos fechados, com as costas arrepiando, com os pés descalços, com a calcinha de ursinhos, com os cabelos bagunçados, fingindo que posa para um quadro italiano com um lírio nas mãos. Quem é ela, deitada nua no chão da casa, estendida ao sol da janela na manhã de terça-feira, dizendo mijo merda e caralho, chamando o gato de buceta e sentindo ele roçar os bigodes em sua coxa, com a cabeça lembrando do infinito cordel de impropérios que aprendeu na escola, embaixo das carteiras. Quem é ela, com a pele clara coberta de frio, apavorada da morte sozinha, com os olhos retendo choro, chamando pela mãe fantasma com a vozinha de criança, escondendo a cabeça com o lençol, querendo conhecer alguém no parque, quinta-feira, e se apaixonar como se tivesse quinze anos. Quem é ela, olhando o telefone e não lembrando mais meu número, não lembrando mais meu nome, com a cabeça no mundo da lua, me vendo na rua e se perguntando quem eu sou.

your protector

E ele trouxe flores brancas que ela guardou em um vaso sobre a mesa e, semana antes dele voltar uma outra vez, o vento já tinha levado cada uma delas e espalhado suas mortes pelo chão.

Ele chegou, então, entrando pelo escuro da casa, e a luz do lado de fora tinha acendido cada um dos pedaços brancos, o sol dando uma última vida frágil às plantas. Procurou no vaso a água limpa e não disse mais nada. Varreu todas e deitou-as no jardim.

Ela chegou, entrou na casa e cobriu a boca com a mão; seus olhos de lágrimas dúbias - seus retalhos de jardim consumidos e desprezados, mas só pôde entressuspirar: "Amor?". Ele surgiu primeiro pelos olhos acendidos pela sombra, depois num sorriso e então a sobrancelha erguida; estavam os dois presos a um beijo bem vindo e mórbido, até ela sussurrar ao pé da orelha "Cuidei delas com tanto carinho...".

Ele a empurrou longe com as mãos, colocando-a nos olhos; via-a triste e queria cuidar dela, mas ela virava o mar da vista em vergonha. Quis contar a ela da desimportância das coisas, que as flores são flores e só, que a morte é inevitável; quis contar que teve medo de beijá-la uma noite e sentir sua carne sumindo de seus lábios, vê-la se desenhar em uma outra mulher estranha, de linhas tortas e reflexos opacos; que imaginou valsar ela por um palco de saudade, e soprar nela o ar de vida que enchia seus pulmões quando ele a tocava. Engasgou.

Disse só: "És uma tola" e a abraçou.

sexta-feira, agosto 13, 2010

réquiem

já te vejo
nas coisas que ainda restam
e no silêncio
da tua distância
e nos meus dedos
ainda mais frios

já te vejo
no escuro do inverno
e dormindo teu sono
dentro da cama
e nos meus braços,
mas longe de mim

já te vejo
nas coisas guardadas
e encontradas
que não dizem nada
e todos os meus segredos
arrependidos

já te vejo
pálida malumorada
e com ciúme
teu rosto lindo
e ultrajado,
estando errada

já te vejo
guardada feito uma coisa
para brincar no domingo
e desinteressar na segunda
para perder uma peça
e chorar como criança

já te vejo
na minha filha
pequena, na rua
errando as palavras
e rindo
e chorando
com a mesma voz tua

já te vejo
indo embora cansada
e sendo esquecida
e te ver os olhos secos
chegando mais perto
e errando outra vez.

segunda-feira, agosto 02, 2010

O munda fazia como o som de vidro contra vidro, a manhã logo no início. Tinha, então, uma fraqueza de coisa pequena de não dormido, um silêncio escondido pelos cantos dos pássaros - tinha uma senhora velhando num banco, o sol chegando até ela compaixonado, que não ouvia o que ele, só, falava, porque seus ouvidos eram dos pássaros e deles apenas; ele dizia, então-- um suspiro, que se perdia entre pios e farfalhares. Logo, mais um.

E ali ele estava, o jardim imenseando verde a sua volta, flores nascendo em botão, árvores e céu (prédios seguindo), mas seus olhos brilhavam delirantes, o mundo inteiro resumido encaixotado num único semblante de significado - que dormia, longe do seu saber, num malencaixado sono sobre um sofá amigo, de onde saiam sonhos de-porreados sobre coisas absurdas, ursos florescentes, crianças descontroladas, armas & balas de algodão doce, enfim. A velha viu-o, ela já levemente cozida, suas rugas marcadas por sombras escuras, seu rosto continental e lindo, franzindo 'inda mais num sorriso, seu jeito fraco franco, Que foi, meu menino?

Ele olhou, dela os olhos azul esverdeando, pensou que talvez dela fosse mesmo o mundo, então não seria ele, mesmo, um menino dela? se ele podia ser de outra, tão malconhecida, umas poucas horas de madrugada juntos... velha engraçada, queria ouvir a risada dela, fraca e verdadeira e divertida; ele estava extrapolando. Levantou do chão, batendo a grama das calças, sentou no banco bem ao lado dela, o cheiro dela suavizado (pelo tempo, idade, sol vento): A senhora quer a versão longa ou a curta?

Sabe que eu não tenho muito tempo? - os olhos dela diminutos ante o sol, fecharam-se por inteiro olhando pra cima, vendo calor - Se a conversa se anda muito, meu namorado fica ciumento...

Ele riu, a risada dela guardada esperava a dele para sair, senhora do riso envergonhado.

Tudo pode ser resumido... - ele começou; a velha era namorada do sol, por dentro ela sabia que ele nascia para ela, só saindo ao céu pela chance de vê-la, e no dia em que ela morresse, ah, tinha ela pena da humanidade, porque no primeiro dia o sol viria sem a encontrar, até achar seu corpo desfalecido sendo entregue à terra; o dia choraria de enciumado, a chuva de luto seria uma semana, e por pelo menos um mês a escuridão seria o firmamento, porque o sol perderia a vontade de sair de casa.

No instante mesmo, acordava a menina, sentando no sofá, deixando cair lençóis e travesseiros no chão - na boca, com a sede, um gosto açucarado, mas não lembrava mais o que era; não sabia como não tinha acordado sobre o tapete, o sofá tão minúsculo; foi tomar água, a calcinha tortamente guardando a bunda, a camisa fedida; no meio do gole, lembrou que sonhava em comer nuvens cor-de-rosas, foi até a janela--

... n'eu estar... - ele concluia, vendo uma cortina ganhar vida e dela florescer seu significado, a cara recém-desperta procurando nuvens com um jeito de criança; ele murmurou "...apaixonado" e os olhos de ambos s'entrecruzaram num sorriso.

sexta-feira, julho 16, 2010

Nós comiamos nossa comida de nossas próprias mãos, sentados em silêncio no quarto escuro. Tuas mãos de porcelana, igualmente frias; imaginava guardá-las nos bolsos, evitando que congelassem. Disse "tudo que tu veste além da calcinha é um desperdício" e, por isso, esperava um sorriso que não veio.

Usavas teus óculos escuros e muito grandes no rosto, cobrindo teu espanto quando no céu uma nuvem de asas frenéticas singrou infinito-além. Disse "não te preocupe que não são anjos para te levar embora" e mais um nada. Pombas brancas, o céu azul; o ar do lado de fora para se respirar.

Te puxei para mais dentro da cama, cobri teu corpo com o meu; minhas mãos no teu pescoço; teu corpo emagrecia à ossos nus, nossos olhos se refletiam se vendo mil vezes, disse "uma palavra certa e és liberada do cadafalso", mas desses teus milolhos não saiu nem uma lágrima. Sentindo saudades da tua boca, beijei-a mesmo seca e pedi desculpas.

Meiodia tu ainda dormias, decidi que ia embora. Comecei a separar tuas músicas das minhas, até que carlos gardel disse que "não"... disse meu "ótimo", irresoluto, a lembrança de ti já sobriando, compondo-me jurinhas de amor bobo sobre melodias de tango "onde é que tu ouviste isso? costumavas frequentar algum bordel?"; então tu me corrigiste, "puteiro, por favor", a educação marcada, sorri agora e então, sabendo porquê te amava.

Te olhei no sono, ia novamente para dormir ao teu lado quando teus olhos fizeram-se despertos; tinhas olheiras e bochechas marcadas, o rosto inteiro amassado surpreseando ao me ver tão do teu lado. "Bom dia?", tentaste quebrar o meu silêncio, mas eu me divertia. Te beijei na testa, evitando o veneno de teus lábios, deitei vendo o teto, a lâmpada apagada, tudo cinza no bem-cedo da manhã, e disse "sabe que ainda eu penso que te amo?". Riste-me, então - teria como saber que se agrada com tão pouco? - "É?". Minha cabeça fez que sim, virei-me ao lado... disse "é", e dormi.