domingo, julho 06, 2008

sei lá, na boa.

Num momento de silêncio, tudo que se podia ouvir era o motor do carro. Olhando brevemente pelas janelas laterais ele se perguntou porque não haviam postes na estrada; tudo que cercava o asfalto que se estendia por... não sei, talvez para sempre, ele só podia ver até onde as luzes do farol alcançavam, eram árvores e mais árvores.

Ela olhava pela outra janela, ele supunha que ela se preocupasse com coisas mais importantes, mas não muito menos triviais. Ela sentava quase rente ao friso inferior da janela, a cabeça tão repousa no banco que seu queixo quase tocava o peito, os joelhos apoiados contra o painel do carro. Ele gostava dos jeans desbotados dela. E das meias coloridas.

Eles continuavam tocando contra o infinito da noite quando ela ligou o rádio, liberando toda a estática acumulada pelas últimos milhas. A o primeiro zumbido que agitou os stereos fez ambos soltarem pequenas caretas antes da música se libertar. Canalizando toda a aflição o rádio começou a tocar meio baixinho, tímido pela arranhada elétrica nos ouvidos alheios. Ela não tocou no volume, ele não largou a direção, o carro andava.

Os sons cresciam aos poucos, fluindo do rádio. Logo, eles estavam em 1976. E eles estavam bem lá, estranhamente. Estranhamente em casa para bebês da década de 80.

Ele olhou para ela. Ela agora batucava os joelhos com os dedos, acompanhando a música. E osso contra osso em jeans surrados quase não faziam som nenhum. Ela não olhava pra ele, olhava para fora. Para os anos recentes do asfalto, para os anos antepassados das árvores.

Ele estava em 1976. Vendo o canto da boca dela borrada, ele imaginava a situação da sua própria. Checou no retrovisor, vendo primeiro a escuridão que ficava para trás, depois seus olhos, depois a boca de sempre, no estado de sempre. Ele sorriu, mas não viu o sorriso com os olhos novamente na estrada. era como se eles estivesse sozinho lá, agora. Intocado, distante, um pontinho partindo no horizonte.

Mas... ele podia ouvir, não podia? Ele quase podia ouvir, pelo menos. No passado. Ele podia ouvir os zipers do casaco sendo abertos, o ruído engraçado e tímido do plástico desfazendo o abraço, para tornar o seu um pouco mais cru.

Não podia?

Onde era isso? Agora, ou em 1976?

Onde ele está mesmo? Para onde ele está indo?

Será que isso realmente importa? Não são apenas questões para se preocupar quando acabar a gasolina?

Um comentário:

  1. Que inveja desgraçada que eu tenho da tua narrativa... ¬¬
    Sério, tá muito legal! Gostei dos detalhes que desse pra mania da garota de acompanhar a música com os dedos. E o detalhe final da gasolina também foi genial! XD
    Ow, depois se der me passa mesmo a história do homem saco por e-mail, eu realmente fiquei intrigado pra saber o enredo desse teu personagem. =P
    Falow!

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