quarta-feira, maio 28, 2008

é teu o inferno ou havana ou incompleto número 1

O crepúsculo de Havana sempre me fez crer que as palmeiras pegariam fogo. Eles me prometeram fogo todos os dias e eu recebi todas as noites com o mesmo frio pesado do mar e com as cortinas abertas, onde imaginava todas as nuvens fumaça de carbono que engolia a lua.

No saguão do hotel, um homem olhava rindo. Ele tinha, todos os dias, o mesmo sorriso. O sorriso de alguém tão fodido que nenhum dia era ruim, todos eram engraçados e poéticos a sua maneira. A pele negra dele reluzia suave com o contorno da luz dos abajures, marcando as rugas como sombras fundas que pareciam prestes a verter ouro. O chapéu velho pendia sobre os olhos e ele enrolava um cigarro para presentear a Fidel. Toda noite era um novo cigarro, guardado em uma caixa que, quando ele morresse, de acordo com o testamento, deveria ser entregue diretamente para El Führer, com toda a paixão dos meus lábios e o veneno da minha língua.

Ojos rojos, ele sussurrou quando eu tomava a rua.

Filho da puta, eu compartilhava o sorriso.

Diga-me como cagasse tudo, cabrón.

Digo-te nada que tu já não saibas; me lembro de palavra nenhuma, apenas do caminhar até a porta.

E da porta até onde?

Tu és quem sentinela a saída, como eu saberia?

Não se perde de vista mulher assim.

O diabo talvez não perca, mas meus olhos são cegos.

Bem, é o seu peito que arde.

Infelizmente. Sonho sempre com o dia que será a tua Havana.

Eu também, cabrón, eu também. Que haces ahora?

Nyet. Tenho pilhas de papel sem porra nenhuma lá em cima.

Sua cabeça deve estar enfumaçando.

Mais do que o meu coração.

domingo, maio 18, 2008

nada mais justo [nem o silêncio]

nenhum beijo faz chuva
ou amor

quinta-feira, maio 15, 2008

nevoa aka areia2

Uma névoa se estendia ante postes, por pouco mais do que uma dezena de metros. Caminhando dentro dela, podia ver apenas resquícios de luz, como se através de vidro embaçado, de casas no horizonte, de postes acima, das estrelas, da lua, do farol dos carros que passavam. A luz passava mais lenta, deixando traços, marcando o caminho no horizonte como pinceladas em uma tela em branco.

E, como a luz, ele se perdeu no caminho. Tudo acontecia atrasado - ele expirava fumaça do frio no meio de uma inspiração, cegando antes de piscar, vendo os carros cruzarem a estrada apenas para ouvir os motores momentos depois - e cíclico, como se cada experiência fosse a antiga novamente, até que cada pensamento, desejo e ânsia do momento estivessem tão repetidamente dentro de si que ele sufocava com tanta banalidade.

Ela tocou-lhe o ombro. Ele virou. Ele virou. Ela tocou-lhe o ombro. Ela tocou-lhe o ombro. Ele virou. -- você entendeu. Ela o olhava com certos olhos, os mesmos de sempre, mas mais nus, mais assustadores. Ela o via por dentro. Sua boca se mexeu, os lábios sem serem lidos e as palavras sem serem ouvidas. Ela curvou as sobrancelhas, cerrando os olhos. Ela esperava uma resposta, ele esperava as palavras o alcançarem. Ela desviou o olhar, finalmente, tão docemente desapontada que os cabelos soltaram-se para cobrir-lhe a expressão. Caminhou para longe, enquanto a névoa o engolia quando ele, ainda mudo, via-se gritando no futuro pela sombra de alguém que não estava mais lá.

Ele correu, tão atrasado quanto desesperado, e deixou a névoa para o vazio. Ela não estava mais lá, mas suas palavras o alcançaram, enfim. E talvez ele tivesse preferido não ouvi-las.

sábado, maio 10, 2008

Sibilava
silvos de
silêncio.
Muito fôlego para
poucas palavras
que não diziam nada
porque ele só ouvia
"ssssssssssssssssss"

À noite, porém,
ela apenas dizia
"não"
isso ele sempre ouvia
menos uma vez
(ela falou, mas ele ensurdeceu)
que foi a última
e a primeira.
Nesse ordem.

quarta-feira, maio 07, 2008

What do you want me to do?
To watch for you while you're sleeping?
Then please don't be surprise when you find me dreaming too.