sexta-feira, julho 16, 2010

Nós comiamos nossa comida de nossas próprias mãos, sentados em silêncio no quarto escuro. Tuas mãos de porcelana, igualmente frias; imaginava guardá-las nos bolsos, evitando que congelassem. Disse "tudo que tu veste além da calcinha é um desperdício" e, por isso, esperava um sorriso que não veio.

Usavas teus óculos escuros e muito grandes no rosto, cobrindo teu espanto quando no céu uma nuvem de asas frenéticas singrou infinito-além. Disse "não te preocupe que não são anjos para te levar embora" e mais um nada. Pombas brancas, o céu azul; o ar do lado de fora para se respirar.

Te puxei para mais dentro da cama, cobri teu corpo com o meu; minhas mãos no teu pescoço; teu corpo emagrecia à ossos nus, nossos olhos se refletiam se vendo mil vezes, disse "uma palavra certa e és liberada do cadafalso", mas desses teus milolhos não saiu nem uma lágrima. Sentindo saudades da tua boca, beijei-a mesmo seca e pedi desculpas.

Meiodia tu ainda dormias, decidi que ia embora. Comecei a separar tuas músicas das minhas, até que carlos gardel disse que "não"... disse meu "ótimo", irresoluto, a lembrança de ti já sobriando, compondo-me jurinhas de amor bobo sobre melodias de tango "onde é que tu ouviste isso? costumavas frequentar algum bordel?"; então tu me corrigiste, "puteiro, por favor", a educação marcada, sorri agora e então, sabendo porquê te amava.

Te olhei no sono, ia novamente para dormir ao teu lado quando teus olhos fizeram-se despertos; tinhas olheiras e bochechas marcadas, o rosto inteiro amassado surpreseando ao me ver tão do teu lado. "Bom dia?", tentaste quebrar o meu silêncio, mas eu me divertia. Te beijei na testa, evitando o veneno de teus lábios, deitei vendo o teto, a lâmpada apagada, tudo cinza no bem-cedo da manhã, e disse "sabe que ainda eu penso que te amo?". Riste-me, então - teria como saber que se agrada com tão pouco? - "É?". Minha cabeça fez que sim, virei-me ao lado... disse "é", e dormi.