terça-feira, dezembro 22, 2009

nasce um revolucionário

Ela veio perto e disse uma coisa bonita - é a primeira coisa que se tem que dizer sobre ela, ninguém nunca no mundo mentiu tão bem -, parecia estupidez, mas era o jeito dela de sempre e ele acreditou porque é assim que deve ser: um deles, pelo menos, tem que acreditar nas mentiras do outro e isso durante tempo o bastante para que a verdade não importe mais.

Ela vinha mudando de cor com os pisca-pisca manchando ela de colorido que mudava, ela era um acidente de aquarela na mesa de um artista, uma pintura barata e genérica que ele bebia apaixonadamente sobre o tapete e o frio do piso, até caírem abraçados com as roupas enroladas nos corpos e ela virava para a árvore, só as orelhas dela mudavam de cor agora, e ela fazia uma jura de amor eterno - um dia ele a olhou nos olhos de uma desconhecida, tinha inabalável certeza de que ela mentia o amor da boca e foi então que ele pensou como a eternidade era na verdade curta - que ele não podia ouvir direito. Ele se levantou descalço e o chão era gelado, foi até a cozinha e abriu a geladeira e procurou pela água, que tinha um gosto estranho de geladeira e comida velha fria, tinha cheiro, quase não era mais água era só meio um líquido de resto, e com o nojo que ele se sentia achou que lavar a boca com aquilo era melhor que ter ela azedando o hálito e bebeu quase tudo, foi até o banheiro. Ela ficou impaciente e começou a perguntar onde ele tava, Mijando, ele gostava de falar grosso com ela suada no chão, desrespeitoso, não porque fazia ele se sentir bem, porque ele amava as mentiras todas e a união eterna de até sexta-feira, mas porque isso fazia ela se sentir mal e isso também fazia ele se sentir mal e não tinha duas pessoas no mundo que ele desgostasse, agora, mais do que eles dois.

Ele se vestiu na frente dela sem olhar nos olhos, ele não queria ver os olhos, nem que ela desse um sorriso do qual ele duvidasse, nem dizer que amava. Ela perguntou, O que é que você tem? e ele disse Uma facilidade incrível de ser um idiota.

[...]

sábado, dezembro 19, 2009

aos TREZE

Os olhos, as mãos nos bolsos - era mesmo de um charme impecável, uma cara de quem liga estampada tododia e todahora, o cabelo era bagunçado sempre e, mesmo na ápice do caos, parecia no lugar certo; era todo perfeitinho, até o que tinha de mais errado parecia andar ao seu favor, tropeçava e, pá, deus colocava uma menina no caminho, uma coisinha fofa de rabo de cavalo e olhos claros, ou então uma com uns peitos tamanhos que amaciavam a queda, e não importava o quanto elas se sentissem machucadas, porque era só ele levantar o rosto e elas coravam e riam, o charme tava lá olhando-as nos olhos, e o que elas poderiam fazer? Ele não tinha uma sequer nota baixa, era o todo o tempo harmônico; era um inferno, mesmo.

Por isso os garotos da rua de baixo resolveram que iam matar o seu cachorro.

O operação começou três horas em ponto, porque era bem no meio da tarde, distante o bastante do almoço para eles não se sentirem pesados e preguiçosos, e próximo o bastante da janta para eles não ficarem se preocupando com a comida; era inevitável um intervalo para o lanche, eventualmente, então combinaram de trazer uma fruta, mas essa idéia foi refutada, "Fruta não combina com terrorismo mimimi" disse com voz de idiota um deles e o líder aceitou, apesar de achar idiota. Eles tentaram salgadinhos, mas o tempo de preparo até o tempo da ingestão podia não ser o mais apropriado, sabe como é, e o salgadinho murcha e perde a crocância, fica ruim; gordura nem ajuda. Levaram cervejas, no fim, porque eram jovens e porque cerveja tem carboidratos, ou assim diz o que é obviamente o maior imbecil de todos eles, porque era ele que fica problematizando o que deveria ser um simples assassinato de um cachorro que, pelo amor de deus, não eram nem um dos grandes.

Eles não podiam se fantasiar nem nada, o dia ia claro e alto, as pessoas suspeitariam muito mais deles com máscaras na cabeça e vestidos de preto, casacões, essas coisas. Então eles começaram pulando o muro da casa do belo rapaz, que certamente estava por aí espalhando sua beleza por aí com o seu charme irresistível - uma menina da sala deles todos uma vez disse que viu os girassóis o acompanharem em preferência ao sol; o líder tinha certeza que essa foi uma hipérbole, mas talvez o vento tenha soprado na hora errado e isso tinha acontecido mesmo, talvez ela seja apenas mais uma das ridiculamente apaixonadas por ele -- quem liga para essas mulheres mesmo? digo, essas meninas se sentindo tão maduras, tão cheias de si, elas se acham o máximo, sendo usadas por esses cara mais velhos que usam a experiência com as monstrinhas da idade deles para ludibriar seus caminhos até esses malditos e pequenos peitos pubescente, que se deixam tocar porque é isso que fazem as mulheres de verdade e depois se ofendem quando alguém as chama de putas, as putas pelo menos aproveitam o dinheiro que vem com a fama e imagina como deve ser dinheiro, elas são quase um aeroporto internecional de pintos! - e então se arrastaram pelo quintal. Um deles tinha um fronha de um travesseiro, e o outro tinha ração - na frente foi um que era mais conhecido do rapaz, a mãe dele era amiga da mãe do rapaz, e ele estava ali porque ela sempre falava como o rapaz era bonito e charmoso, enquanto ele mesmo era sempre sujo e catarrento e tropeçava em deus e o mundo, mas com ele, quando isso acontecia, o diabo botava uma porta, uma parede, teve uma vez em que até foi um cacto e ele se fodia legal, bem legal mesmo; a ele cabia fazer o cachorro entrar sem grandes alardes, já que o cachorro já conhecia o cheiro dele, enfim. Pegaram o bicho. Ele latiu como doido, debatia na fronha - bateram com ele na parede e houve silencio. Então houve sangue.

Nem dá de saber o desespero que irrompeu de dentro deles; parecia que uma pequena esfera tinha sugado todo o desespero do mundo e da vida, do tempo inteiro de suas existências, e ele tinha sido armazenado e empurrado lá pra dentro e de repente, BUM!, todo correu pra fora, jorrou com uma força descomunal e cobriu-os o corpo inteiro. Eles correram para fugir da evidência, porque logo nos primeiros minutos, quando tentavam escalar o muro com a mesma facilidade com que entraram, descobriram que o desespero se mantinha próximo e era algo do qual não se escapava - no futuro descobririam que eles apenas perde a intensidade para tornar-se culpa, que é uma coisa bem ruim de se viver também.

No outro dia, na escola, o rapaz informou muito tristemente que seu cachorro tinha morrido. Ele, na frente da sala; seus olhinhos cabisbaixos, o rostinho de triste, mexendo o pé para lá e cá - lá estava o mesmo charme, na desgraça. As meninhas metidas a mulheres de repente estavam todas cheias de consolações e abraços, algumas roubavam beijinhos na bochecha e depois riam-se no banheiro; ah, como eram grandes adultas, seus ventres em fogos, suas bocas demoníacas vermelhando-se! Ele combinou um enterro e lá, onde o ciclo da pena pelo pobre menino lindo ganhou novo momentum, eles descobriram que o belo rapaz não tinha interesse nenhum em comprar um novo cachorro, porque, no fim, ele era, a pêlos de cachorro, alérgico.

domingo, dezembro 06, 2009

O sufoco da noite escura e madruguenta fechou sua gargante e pôs os dedos bem dentro de seu nariz. Ele caiu junto com a água em desespero, seu jeito trêmulo rolante até embaixo da mesa; rodopiando e quicando, como moedas de um centavo se perdendo nos cômodos e sob os móveis - mas o corpo dele nem fez o barulhinho do metal contra o azulejo, fez um som seco e fraco, que se abafou rápido e ninguém ouviu. A geladeira, por outro lado, despertou nesse mesmo instante c'um rugido metálico; essa vida inexperada fez um frio da espinha subir e descer por suas costas. Embaixo da mesa, ele se sentia covarde e com frio - nesse mesmo momento, num inexperado de mágica, nasceu o Frioso Amedrontado, seu alter-ego de pequenez acentuada, pés descalços, pijama de marinheiro e olhos gigante de mundo, que o acompanharia silenciosamente em todos os momentos de impotência, humilhação e covardia de sua vida -, certo de que seus pais não ouviriam seu chamado - melhor ainda: que sua boca não conseguiria sequer dar o grito! - quando os ratos da casa cercassem-no e tentassem comê-lo ou, pior, cantar para ele canções de Natal.

quinta-feira, dezembro 03, 2009

poematizando

me incomodam:
as lamúrias de sua luxúria,
e o meu próprio ser misterioso
experiençado no papel de sombra
e no eloqüente tom silencioso
que quando tão bem colocado
diz mais que do que deveria
e que as palavras que me encantam.

mas gosto, porém:
de ver, de novo, no corpo de outro
a melhor parte, ou a que mais gosto,
de mim.