segunda-feira, março 31, 2008

Veludo

Meia gota de suor escorreu pela espinha, contornando vértebras numa dança não mais caótica do que a que sua cabeça fazia acompanhando o álcool. A jukebox arranhava uma música entre chiados que meio soavam como uma declaração de amor, escolhida por um junkie que só dividia a agulha com uma mesma pessoa, desejando ter com ela o mesmo fim. O junkie tinha desfalecido no banheiro, mole e sem graça, a dois passos do urinol. Ele mal tinha ouvido a introdução.

Aquela não era a sua música, mas era agradável. Todas as músicas eram agradáveis, todas as curvas eram agradáveis; das mulheres, das mesas, das garrafas vazias. Do cano da arma.

Quando a cabeça explodiu voaram engrenagens. Elas antes estavam alinhadas e giravam devagar, com uma fina ferrugem que se acumulava desde que ele abriu os olhos. Agora elas brilhavam clarinho na luz tênue, como estrelas em um céu de madeira velha, depois de passarem anos sem saber de quem era aquele dinheiro, de quem era aquela mulher, de quem era aquele sangue.

Recobrando a consciência, o junkie juntou cada engrenagem solta e guardou no bolso. Ele caminhava confiante, com o sangue fervente saltando-lhe as veias e no silêncio do jukebox sem moedas. O silêncio o incomodava, dava espaço demais para pensar.

Ele alimentou a jukebox com uma engrenagem. Enferrujada, com uma rachadura em cicatriz aberta; a música que saiu não foi a que ele tinha escolhido. Ela nem 'tava marcada no setlist.

Ele não gostou dela. Nem da próxima, nem da outra. Mas a quarta era muito boa e ele nunca tinha ouvido. Ele passou o dia inteiro lá, testando uma por uma.

E antes de vomitar suas próprias engrenagens na patente do banheiro, desejou que nenhuma delas fosse uma canção de amor.

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