quinta-feira, março 25, 2010

Hoje sonhei com livros de política de um grego (Diáfones, vai saber se existe), enquanto minha prateleira de livros despencava por causa do peso. Acordei pensando no que deveria ler.

Já acordei pensando coisa pior.

segunda-feira, março 22, 2010

you know feelin' good was good enough for me

Pro inferno com o preto&branco, as ruas tinham cores de neon que se acendiam no chegar da noite e, sinceramente, não tem sol que se compare. Dá um friozinho - se tem sorte, ele entra barriga adentro - bom, mas tantotanto que s'ergue os ombros para levar a gola do casaco mais alto (e, quando faz isso, parece que pergunta: e daí? e quem não se importa tem um charme muito mais natural do que quem se importa), sai fumacinha da boca suspirando, sobe um arrepio e escapa um sorriso.

Os garçons põem as mesas na rua, armam elas, de madeira, na calçada. E a calçada é de pedras, pedras-do-calçamento, bem essas; diz-se que elas sabem de todas as obviedades do mundo, por isso rangem: ele pensou, quem sabe com os ouvidos certos se escuta... depois, será que cada pedra sabe uma certeza, ou todas sabem todas? se uma só, apenas, pode ser que ela fique tão distante que algum irlandês, atirado junto c'um resto de cerveja, cai de cara numa que diz, num português dos mais claros: Deixa de ser idiota, segue a vida! É claro que ela não ama mais!, e então vai embora como quem não ouviu nada.

Ele suspira. Fumaça.

As mãos nos bolsos, os ombros alto, queixo no peito: ele olha pros lados, procura a placa, vê os amigos. A felicidade tem um tom meio amarelo, às vezes é amarelo puro: dá de pôr num copo e chamar de tequila, até, se dispensar sal e limão; ele pensou entre o gosto amargo e a tremedeira, o pensamento veio com a queimação (que dá essa estúpida idéia de que os problemas estão sendo resolvidos), por que será que as pessoas usam tão pouco amarelo? Ele não entende a humanidade, evidentemente.

Um dos amigos ele nem conhece; aliás, nem o outro. Mas esse tem um jeito engraçado, gosta de abafadores de orelha e tem a voz hirta; parece que cada palavra que saí se apresenta com um formal Bom dia, tudo em? (aliás, elas parecem tão educadas que diriam Boa noite, porque era noite, e são o tipo de pessoa, embora palavras, para quem essa diferença poderia ser importante), quase que não ligando vir ao mundo, como se comunicassem com um descaso quase de não-se-importam oximoramente caloroso: "Vinha eu na rua L., quando na minha frente cai uma folha, e eu estou certo de que não é mais outono há pelo menos dois meses. Então olhei a árvore, ela era de bordo, e disse: Deus?"

"Você está bê-", o segundo era uma coisa franzina feito um fiapo numa lapela, ou pelo menos incomodava igual; tinha também os olhos absurdamente negros, e por isso ninguém olhava-o muito tempo a cara; no momento, mais especificamente, tinha os braços tão efusivos que quase independetes do corpo, quem passava e não bebia olhava feio, e pontuava a divisão silábica com os dedos: "-ba-", guardou para a última sílaba uma ponta do dedo encontra ponta do nariz que foi intimamente inapropriado "-do!".

"Estamos todos!", murmurou M. (o primeiro de todos; a segundo era G., o terceiro H.).

"Sim, mas explico" - então G aproveitou o tempo para rir de uma garrafa inapropriadamente grande de vinho, antes de retomar "A única casa que eu conheço com folhas de bordo no jardim, é a casa de Julia. E Julia eu amava muito porque quase não tinha o que não amar; no aniversário de 17 anos dela, escapei silencioso do castigo de minha casa, cruzei a rua e segui até a dela; atirei na janela uma pedra, porque sentia ter que ser romântico e a esperei descer. Ela abriu a porta com um frescor de primavera, como a minutos do desbrochar: o corpo lavado com um sabonete cheiroso, o cabelo molhado de banho. Ela me olhou com um rosto estranho, enquanto eu em silêncio olhava o relógio por sobre os ombros dela esperando a meia-noite; foram os ponteiros e eu a beijei. Nós fomos feito gatos num furtivo encaixe apaixonado até um canto recluso da casa, onde nos apaixonamos imensamente."

"Não encontro a parte de Deus nessa história", disse H.

"Dois ano após, comprei-a um pingente de folha de bordo. O ventro trouxe uma porta adentro naquele dia, e a encontrei ao me ir embora; ela me trazia com o rosto em uma cor nova, embrulhada na roupa como se tivesse diminuido - achei que ela diminuia mesmo, tentava alcançar o tamanho certo para morar confortavelmente dentro de mim - e no cabelo emaranhado, uma folha de bordo. Naquele momento, o céu clareava um nascimento tímido, e a cor do sol cobriu-a o rosto: nunca mais vi nada tão lindo. Por isso considerei o presente certo. Naquele dia, ela disse-me que não me queria mais."

Por um momento, eles beberam. Apenas.

"Deixei o pingente sobre a mesa por dois anos. Esperava alguém que perguntasse, ou que achasse beleza nele. Se acharam, ninguém nunca disse. Ao primeiro que comentasse, eu o daria, mas nunca aconteceu. E é aí que entra Deus.", ele mexeu os bolsos, trouxe as mãos para fora num lampejo frio, "Trago-o hoje comigo."

"Eu o quero", disseram ambos juntos.

G. riu; sua risada era estranhamente desonesta. "Depois da honestidade, dou-o apenas por um preço. A mais triste história de um primeiro coração partido, ganha um pedaço da história do meu".

terça-feira, março 09, 2010

my body is a cage

Na verdade, quem que nós temos? Não que odiasse o mundo, nem nada do tipo, mas tem sempre esse momento onde se olha além às pessoas e se pergunta, quem ela são? É triste perceber que ninguém é insubstituível, e é coisa de um fatalista pensar que talvez tivesse sido melhor evitar várias delas para começo de conversa; é menor problema, e menos problema é uma coisa boa. Nem tudo é tão significativo quanto parece, nem tudo importa: a maturidade demora a vir - a maior parte do tempo nós somos como pequenas crianças, que acham que toda vez que tem sangue tem a chance de morrer; e, enfim, talvez nós nos acostumemos com o sangue derramado, mas a dor é sempre uma coisa complicada de controlar. Tem gente que toma muito remédio, mas eu pessoalmente não gosto. Sabe o que é triste nisso? Isso muito possivelmente que dizer que eu fui mais rapidamente substituído, pela simples necessidades que os outros têm de substituir. E enquanto a vida deles seguia, a vida medíocre e fluída deles, eu estava em algum lugar, esperando a dor passar a seu tempo, aproveitando ela com esse pouquinho de prazer que toda dor dá, me importando com gente que, em horas como essa, eu nem sei se deveria me importar. É engraçado, eventualmente você olha as pessoas e elas são totalmente planas, você já espera delas muitas coisas; acho que por isso não dá de amar mais elas, por isso elas se gastam e perdem a importância. Eu não acho que eu seja importante. Sei que tem muita gente vivendo a vida que me esqueceu; sei que quem me amou pode, um dia, olhar uma coisa que a faz lembrar de mim, da mesma forma que coisas pequenas me fazem lembrar dos outros - como um chão de vidro, uma gota de água na testa, uma porta entreaberta -, mas é tão pouco, por tão pouco tempo... nós damos tão pouco aos outros, por isso que nós merecemos morrer sozinhos.