terça-feira, setembro 29, 2009

epitáfio

Estendo-lhe a mão numa demonstração inexperada de minha, até então inexistente - deveria dizer latente -, solidariedade. Os dedos opacos, frios, finos - me lembram a morte. Mesmo, não o digo só por crueldade! - tocam leves minhas palmas calejadas, seguram-se sem forças em minhas mãos, mas então caem, escorregam-se pelo molhado da água, e seu corpo explode em borbulhas e espumas e ondas no translúcido azulado da piscina. Vejo-lhe a face retorcer-se dentro d'água, seus olhos refratando monstruosos no terror de seu afogamento, as lágrimas unindo-se ao cloro, seu grito em bolhas mudas e então - o frio, sua natureza naturalmente cadavérica: os prenúncios que eu temia serem de meu fim, mostram-se tragicamente tratarem-se do seu próprio -, vendo a lua espelhada n'água, procurando seus olhos no emaranhado sufocado do seu cabelo, e aproveitando candidamente o silêncio súbito, respirei aliviado.

Antes você,
Minha doce amada,
Do que eu.

quarta-feira, setembro 16, 2009

intricâncias d'um romance

[1]
Ele a beijou pela primeira vez nos portões de casa, suas mãos correram-na até a nuca - ela ficou tão surpresa! - e seus dedos 'garraram-se fortes, puxando-a para mais próximo e mais próximo e enfim: o inverno era tão denso naquela época que seus lábios gelavam-se hipodérmicos e pareciam, muito de leve, unirem-se mais de íntimos. Era tudo muito romântico - e só podia, já que é romântico apenas aquilo que pode dar inexoravelmente errado -, os postes de luz clara, a rua sem carros, o soprinho de fumaça furtivando da boca dela entreaberta no pós-beijo, os olhos fechados e assim e tudo mais, e o Me liga que ele disse logo após.

[2]
E esses dedos finos, aracnídeos, alcançaram as bordas dos botões de cobre da blusa, um brilho alaranjado de lusco-fusco metálico escapando quando a brancura da pele dela se revela nos ombros então nus. A boca no pescoço lambia-lhe a pele e mordia a carne, ela caia e deitava fazendo-se de vítima, a cabeça jogada para trás -- as mãos corriam o corpo enquanto a boca beijava seu caminho até os lábios entreabertos em suspiros e inchando-se com o coração acelerado. De entre os peitos até o umbigo, segurando a cintura e então apertando as nádegas, até encontrar entre as pernas um fim propício; a boca dela, ainda calada em beijo, não reclamava e seu corpo, ainda como puro, não fizera movimento algum senão aqueles que se entregavam ao seu toque.

domingo, setembro 13, 2009

o Eu-Lírico que sangra

Muito gentilmente, me disseram - quando eu pedí-los conselho, e deveria ter percebido quando, antevendo suas palavras, soaram fanfarras que eram sinais de sua sabedoria e os limites da minha humildade -, cabeças baixas e sorrisos, um brilho de saudade nos olhos: Amor amor amor e Amor amor amor e, então, Amor amor amor.

Seus olhos acharam os meus e o peso de ambos entre nossos pesares e as palavras foram essas: Não há nada que você pode fazer que não possa ser feito; ninguém que você pode salvar que não possa ser salvo.

Lágrimas se acumularam para se precipitarem. Amor é tudo que você precisa, disseram e elas rolaram.

Dois serafins, no fundo, cantavam: Ela te ama, yeah yeah yeah. Ela te ama, yeah yeah yeah.

Mas as asas de pedra dos céticos não me deixa voar.