segunda-feira, dezembro 01, 2008

do ritmo dos contos-de-fada

E assim foi, porque ele era agraciado com um jeito quase silencioso de se comportar no escuro. O sentar mudo, o sorriso surdo, o toque em deslize cujo roçar não levanta poeira nem eriça os pêlos. É todo um comportamento muito valoroso, de até algum charme, quando no céu que é azul depois da chuva o sol brilha e ele se escapa pela cama embora sem despertar ninguém.

Nesse sonho, porém, de onde vem a calma quando o pesadelo inicia ao despertar e encontrar-se sozinho na cama? É um murmúrio, daqueles que tanto se sente quanto se ouve, soprado pelas dobras dos lençóis -- e estica-se os lençóis para o alto, içam as velas, navegam como barquinhos à deriva no mar, subindo e descendo, subindo e descendo, de repente tão banal quanto as banalidades da vida, tão banal quanto a beleza que se torna banal ao invés de beleza, o que é banal, mesmo?

Banal é o som do vento na proa, da vassoura no chão, da poeira levantando, do fogo acendendo no fogão, do eu te amo que se diz na despedida; banal é tudo aquilo que é tão verdade que não fascina mais, mas continua fazendo a gente se sentir bem.

Era um apanhado das coisas que ela guardava atrás da porta. Recados em envelopes, anéis de compromisso antigos, um K7 de Curtis Mayfield de alguns verões atrás; assim vai. Tinha tudo um cheiro ocre, como o do Opala que era corona de final de festa, tremendo na subida, pegando no tranco desembestado no morro da Lagoa, encontrando numa das curvas um repentino dia no horizonte.

E a Lagoa se estendia eternamente.

Ela sentou ao pé da cama. Nesse tempo todo, tinha desenvolvido um certo jeito com as palavras que me deixava vexado. Deixando ela em casa, aconchegada no ombro, fazia-me desejar ombros mais confortáveis. Com ela já posta em seu lugar, na cama quente e sozinha, eu voltava quando um passarinho amarelo arriscava um rasante sobre o concreto.

Era um passarinho por demais amarelo. Amarelo claro, como gema de ovo, de jeito que nunca vi antes.

Da minha descrença brotou uma preguiça da mais profundas e, entregue ao sofá da sala, o rebolado das ancas ia e vinha, desse jeito desinteressado de quem dança, se deita e banha na noite. Da monarquia francesa, porém, aprendia novas ações. O cruzar das pernas, escolher os talheres certos para comer o tomate, a carne, o musse; pôr o chapéu no peito e abaixar a cabeça; continuar a comer o assado sob o azevinho dos lustres e as balas de canhão. Suar apenas quando estiver perfumado.

No telefone, quando ela liga, o toque é diferente.

E, em vezes tempestuosas, ela emputecida reclama dos pratos deixados sujos na pia d'um dia para o outro. As baratas!, as baratas! ela reclama alto, enfezada. As baratas não gostam de batata, digo, mas ela não acha graça; tanto carboidrato as deixam gordas, e ela me escapa um sorriso. No banheiro, porém, quando faz das torneiras varais, e desgostoso retiro as calcinhas pingando para abrir o chuveiro, é minha a indignação. Um absurdo!, digo. Absurdo é você meter a boca nela e não querer meter a mão, seu babaca, ela me diz. É justo, ou talvez seja.

Ninguém nunca vence... em pé?

Mas nada disso tinha mais importância quando as flores do jardim se poram a cantar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário