segunda-feira, abril 27, 2009

Presenteado de surpresa com um embrulho tamanho, feito de papel colorado e com laço grandiloquente, seu coração urgiu num batebate vulcânico e, do todo que havia, dilacerou em pedaços mínimos todas as tiras do papel.
Um elefante?
Pois é.
Pôs-lho de lado, canteado no quarto, co'a bunda para porta que, disse-lhe alguém, isso dava sorte. O bicho era manso, mas uma presença a ser comentada por todo visitante recente, porém tinha no ar da sua cara, quando feita a pergunta, um Não me pergunte estampado que fez com que, cedo ou tarde, o elefante se fez um móvel.
Foi um incômodo tamanho quando começaram a sumir coisas pelo quarto. O paquiderme fora responsável por tampar algumas com a barriga, comer outras e pisotear algos mais.
Mas era um presente, e ali ele ficou. Tempos depois, daquilo tudo, era apenas o que restava.

variações sobre um tema

[da mesma proposta que deu a luz a esse texto.]

Eu peguei-a pelas mãos, ela 'inda com algo de frio na ponta do dedos, dando-me olhos de curiosidade ao guiá-la, com leves puxões, ao redor da figueira. Tinha ela essa indiferença na tez pálida de sono e, c'um brusco desvencilhar da minha palma, interrompeu o feitiço que, completo, selaria-nos no eterno.

Assim dizia a minha vó, agora já pequena de rugas e cheia das quietudes, quando ainda nela havia ardor o bastante para contar, netos reunidos aos pés - ou espalhados pelo sofá, ou se embrigadeirando na mesa -, das lendas que precediam sua própria infância. Entre elas - não minha favorita, mas a que mais calha-me o momento - de que encontrado o amor da vida, nós, na época tão-tão jovens, deveriamos pegá-lo pela mão, levá-lo até a praça XV e, sem desfazer o aperto, rodear por três vezes o tronco da figueira. Isso selaria nosso amor eterno.

A senhora fez isso com o vô?, se perguntava todas as vezes, e ela dizia que Claro. Agora, se me há algo qualquer de romântico, espero, mesmo que pouco, que seja verdade. Porque algum amor verdadeiro há de existir.

Não que exista alguma desilusão profunda nessas palavras. Mas, direcionado pela Felipe Schmidt e arreadores, pedido atenção no olhar, entre as coisas que se vê - das prostitutas e moribundos, do lixo nas calçadas e da música de orquestra que, atonal com o silêncio das ruas, ecoa de tímida d'um clube pequeno -, o que mais me atrai é perceber que, aos pés da figueira, o que de mais notável acontece é uma despedida.

Eu não faço notas. Eu me esqueço dos detalhes, das cores de camisas e do que se fala. Mas eu posso ver que dentre as silhuetas que circundam a praça, da mãos enlaçadas que arriscam seus caminhos pelos pilares de metal, nenhum deles disposto ou alerta ao que de mais puro um dia, entre as bruxas e feiticeiros, havia aqui.

Eu vou embora. E é feita a noite de um silêncio tão denso que, quase de certo, repousa em coma a alma da cidade.

sábado, abril 11, 2009

Ontem desejou forte que fosse inverno
e a tarde de hoje resfriou tanto que quase.
Tirou cobertas do armário, aquela
velha de pelinhos, vermelha e azul,
e colocou na cama abraçada ao lençol.
Mais tarde, com o ventilador ligado
- para manter o frio mais tempo -
s'acasulou sobre o colchão
e percebeu, que entre o inverno
e o amor da sua vida,
não havia sequer escolha a se fazer.

gratefuldeadian landscapes

"Há de se amar pelo menos um deles, pelo menos um pouco, pelo menos uma vez."

hihi

enfim

E o que eu falo, te seguindo o som seco dos sapatos, para que me ouças e, em sorte, te detenhas e permitas o resto da explicação: Espere aí! (haveria, claro, de ser melhor, mais circunspecta e dileta sem a efusiva presença d'exclamações, não fosse o temperamento exaltado e o tempo curto)

E, hm, a impaciência que me corre pela espinha ao estar tão incerto de tua partida - e vejo agora, em retrospecto, como a tua silhueta s'afastava longerrápido no fantasmagórico do reflexo dos vitrais, uma lágrima furtiva no canto da mandíbula cintilando, revelada apenas pelo cabelo preso que te revelava-me a nuca - no agourento nublar do céu (seria vil demais supor o compartilhamento de minha desgraça com o resto do mundo?). Os meus olhos prenderam-se aos teus calcanhares como se deles dependesse minha humanidade.

Num violento refluxo carnal, tomei-te nos braços de súbito, tão rápido vi em teu andar alguma dúvida de parada. Postes-te na ponta dos pés enquanto eras bailarina nos corredores, num meiogiro que te ergueu o cós da saia, suspensa o bastante para permitir o encaixe hermético de nossos lábios. Falamos por longo momento, quase discursados sobre o assoalho, antes de desvencilharmo-nos arredios e eriçados, sentindo, misturado com o francês do teu perfume, o olor intenso do sangue vivo.

Meu Eu te amo reverberou pelas paredes, causando-te um asco tão fresco que, na expressão da tua face (de onde a beleza do meu amor eu ainda via), sobressaltou três leves pulsos do meu coração. Eu não posso acreditar, tu me disseste. Procurei na tua voz uma verdade entre o rancor, acostumado com o jeito costumeiro de cortares-me com palavras, e vi a realidade translúcida do ruir do teu afeto. Fiz-me quieto.

É isso?, foi meu sussurro, depois dos eternos segundos em que temi a inevitabilidade dessas palavras, Nosso amor não vale a luta?, e era eu a criança de vidro à tua frente. De olhos molhados e com teu sorriso mais doce de todos, fechastes os braços no teu peito, encaixastes tua forma pequena no meu abraço, e soprastes no meu ouvido: Que amor?

quarta-feira, abril 01, 2009

Tinha todo esse horizonte de cataventos-geradores-eólicos e o sol semi-escondendo atrás da grama com um brilho invernal fervilhando. Duas doses de malumor. O pesadelo de que as luzes da casa não acendem mais de noite e é tudo tão só-sozinho que dá esse gostinho de desesperança meio bom e eu te ligo só pra te dizer que Sem você não dá mais. Eaí você não atende.