domingo, dezembro 21, 2008

de reis e o que mais

Todos os retrados do reino eram guardados para ele. As pequenas crianças, que haviam decomposto o quadro antes mesmo do óleo ter sido diluído, as jovens damas, insuantes aos seus olhos para serem capturadas como ninfas pela eternidade, os heróicos guerreiros que voltavam da batalha e, em pose, revelavam uma acidental mancha de sangue seco na lapela, que as empregadas do reino haviam sido ameaçadas para não limparem e os permitirem a grandiosidade da vitória da morte, enfim. Cada quadro era pintado pelo mesmo homem, o que causava uma desconfortável impressão em quem via-os no futuro; a primeira, de que todo o reino era perigosamente incestuoso, dado a repetição constante dos mesmos traços de estilo, desenho após desenho e a segunda de que, por mais esforçado que fosse, era clara a intenção de enaltecer a beleza do rei além da dos seus súditos, apesar da gritante feiúra do monarca.

No pequeno quarto em que ele trabalhava, contemplava num momento uma tela nos seus entremeios. Havia um homem centralizado, chapéu na mão e terno alinhado, arte-finalizado e belo, mas com fundo carente de pinceladas, ainda pálido e incompleto, uma infinitute vazia que desagradava a vista de jeito complicado de se explicar. A vista que decaía com a idade fragilizava após o crepúsculo, assim, recolheu os pincéis e as tintas, enrolou-os em pano branco e encerrou o trabalho, guardando à visão da luz de velas apenas as silhuetas assustadoras dos empregados pelo castelo.

...

Precisando de ajuda, pediu ao rei conselho. O que faço, majestade?

Corte-lhe a cabeça!

Era um péssimo conselho.

Pior ainda quando Sir Alguma Coisa, responsável pela segurança do meio, entrou de súbito nos aposentos reais e tomou por ordem as palavras descontextualizadas. A espada escapou do bainha, tomou o ar num silvo certeiro e desfez a ligação carnal entre corpo e alma, cabeça e tronco do pintor. Ao rei não se guardou sequer angústia; mimado, achou graça no espetáculo tão inesperado. O pintor, porém, teve a infelicidade de não presenciar as tonalidades que fluíram de seu corpo. Sua amante, ao ver a cena, teve certeza de que ele adoraria o calor daquelas cores.

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